Igreja Do Carmo (Luanda)
Nesta página:
I . História
II . Descrição
III . Nossa Senhora do Carmo: culto e iconografia
IV . A Ordem dos Carmelitas Descalços em Angola
I . HISTÓRIA
Os primeiros Padres Carmelitas Descalços chegaram a Luanda em 1659, vindos de Portugal. Fundaram o Convento de Santa Teresa, inaugurado no dia 23 de Dezembro desse ano, na área das Ingombotas, nos arredores da cidade. No início de 1660 começou a construção da igreja - sob invocação de Nossa Senhora do Carmo - e de um hospício anexo. Provavelmente, antes do fim da obra, terá sido criada também a Confraria de Nossa Senhora do Monte do Carmo.
Nas décadas seguintes, foi edificada a torre sineira e ampliada a igreja, ficando praticamente terminada em 1689 - conforme inscrição no pórtico principal.
Em 1691 ficou concluída a sacristia, com o apoio do governador D. João de Lencastre. Posteriormente, foi realizada a pintura do tecto e o revestimento azulejar da nave e da capela-mor.
A canonização de São João da Cruz em 1726 foi motivo de grandes festividades, a cargo da Irmandade de Nossa Senhora do Monte do Carmo, com esmolas de todos os fieis devotos, que contribuíram significativamente para a decoração do espaço sagrado.
No convento funcionou, a partir de 1795, a aula régia primária da cidade de Luanda e posteriormente as aulas de Teologia Moral, destinadas aos candidatos à vida eclesiástica.
Com a extinção das ordens religiosas em 1834, o convento foi abandonado e a igreja entregue à Ordem Terceira de São Francisco da Penitência. No convento instalou-se a Polícia de Segurança Pública, sendo posteriormente também cedido à Ordem Terceira Franciscana.
A Diocese de Angola e Congo esteve sediada na igreja do Carmo em vários períodos, sendo o último entre 1893 e 1897, enquanto decorriam os trabalhos de restauro na Catedral – igreja de Nossa Senhora dos Remédios.
A 20 de Dezembro de 1906 foi criada a Paróquia de Nossa Senhora do Carmo e inaugurada solenemente no dia 1 de Janeiro de 1907.
A partir de 1908, realizaram-se várias obras na igreja e anexos, nomeadamente a pavimentação da nave e o restauro da sacristia e das dependências destinadas aos missionários. No antigo convento funcionou uma escola primária e também uma secção de ensino prático de Artes e Ofícios, para os meninos do Bairro.
Em 1931, durante a festa da Padroeira – 16 de Julho -, deu-se o desabamento do coro-alto, perdendo-se o famoso quadro representando O Trânsito de Santa Teresa. Nos anos seguintes foram realizadas diversas obras, nomeadamente a reconstrução do coro; foram também refundidos os sinos do campanário, conservando-se as primitivas inscrições dos séc. XVIII e XIX. Na década de 50 do séc. XX, a campanha de obras incluiu o restauro das valiosas pinturas do tecto da igreja e do sub-coro, bem como o restauro da antiga capela exterior com altar e pintura mural.
O conjunto foi classificado como Monumento Nacional em 1945.
A Paróquia de Nossa Senhora do Carmo está entregue aos padres dominicanos desde 1998.
II . DESCRIÇÃO
A igreja paroquial de Nossa Senhora do Carmo está localizada no antigo bairro das Ingombotas. O conjunto monumental integra a igreja e o antigo convento de Santa Teresa da Ordem dos Carmelitas Descalços, sendo um dos monumentos de arquitectura barroca mais importantes de Angola.
Na fachada principal, destaca-se a imagem de Nossa Senhora do Carmo, em nicho concheado de fundo azul; o grande portal com motivos geométricos relevados, e remate com cruz e esfera– alusiva ao Mundo. Tem inscrita a data 1689, referente ao ano em que terminou a construção.
Na parte superior, assinalando a entrega da igreja à Venerável Ordem Terceira Franciscana, encontra-se o brasão desta Ordem: escudo circular limitado pelo cordão franciscano, com legenda SUPRA MONTEM CATHOLICA FUNDATUR TERTIUS ORDO EXULTET UNIVERSAE TERRAE (Por cima do Monte [Carmelo], foi erigida Católica Ordem Terceira. Exulte a Fé em toda a Terra), coroa real e filacteras com inscrição POENITENTIA CORONATA (A penitência coroa).
Duas pedras de armas, também da Ordem Carmelita, encontram-se nas esquinas da fachada.
Do lado direito, o portal de entrada para o antigo convento tem um brasão com as armas portuguesas e cruz latina.
O campanário, de traçado original, conserva os velhos sinos do Carmo refundidos em 1945, com as primitivas inscrições. O sino central tem a imagem de São José e as legendas: JOSEPH. VIRVM. MARIAE. DE. QVA. NATVS. EST. IHS (José esposo de Maria da qual nasceu Jesus) e ESTE SINO.MANDOV. FVNDIR O. P. MINISTRO. FREI. VERÍSSIMO. DA ENCARNAÇAM. NO. ANO. DE 1732 (Este sino foi mandado fundir pelo Padre Ministro Frei Veríssimo da Encarnação no Ano de 1732).
O interior da igreja, de notável beleza, harmoniza de forma peculiar a talha dourada dos altares, o revestimento azulejar das paredes e a pintura decorativa do tecto.
À entrada, no pórtico, está representado o brasão da Ordem Carmelita. No tecto do sub-coro, encontra-se a pintura Morte de Santa Teresa, pelos mestres Alípio Brandão (1916-1965) e Neves e Sousa (1921-1995), réplica do famoso painel desaparecido.
Na Nave, as paredes laterais estão revestidas com silhares de azulejos azuis e brancos, dos finais do séc. XVII, de oficina lisboeta.
A pintura do tecto, de grande efeito decorativo, foi restaurada também pelo pintor Alípio Brandão, em 1951-52. Nas cartelas centrais estão representados temas carmelitas: O Triunfo da Virgem do Carmo, A Transverberação de Santa Teresa de Jesus e A Visão de São João da Cruz.
A Capela do Senhor Bom Jesus, do lado esquerdo da nave, é de construção posterior. Sobre o arco de entrada encontra-se uma cartela com símbolos da Paixão – coroa de espinhos e cravos. O retábulo tem ao centro o Senhor Crucificado, imagem de enorme expressividade e, na base, a escultura jacente do Senhor Morto.
Nesta capela encontram-se também duas magníficas esculturas de São Francisco e São Domingos, provenientes do antigo Convento de S. José; e duas esculturas mais recentes de Santo António – oferta do Bispo D. António Barbosa Leão (1907) - e São José.
No pavimento, junto à capela-mor, encontra-se a pedra tumular, brasonada, de D. Frei António do Espírito Santo (m. 1674), Carmelita Descalço, Bispo de Angola e Congo, com inscrição - Sepultura do Senhor Dom Frei António do Espírito Santo. Carmelita Descalço, Lente de Teoloqía Moral. Definidor qeral da Província de Portugal, Bispo de Angola. Morreu aos 27 de Janeiro. Ano de 167 4. Aqui se encontra também sepultado D. Frei Francisco de São Tomás, nomeado Bispo de Angola e Congo em 1761.
Na nave, destacam-se ainda os dois púlpitos com balaustrada em jacarandá e baldaquino; os antigos confessionários incorporados nas paredes laterais; e as pias de água benta, em mármore.
O Arco triunfal, totalmente revestido de um magnífico conjunto de painéis azulejares do princípio do séc. XVIII, tem representado na parte superior A Protecção da Virgem à Ordem do Carmo; na parte inferior O Sonho do Profeta Elias e Elias arrebatado ao céu num carro de fogo; e, no fecho do arco, o brasão da Ordem Carmelita. As capelas colaterais com retábulos de colunas torsas estão dedicadas ao Sagrado Coração de Jesus e a Nossa Senhora de Fátima.
Na capela-mor destaca-se o belíssimo retábulo em talha dourada do séc. XVII. Preside a imagem de Nossa Senhora do Carmo, em tribuna com drapeados. Nos nichos laterais estão as imagens de Santa Teresa e São João da Cruz, do escultor Carlos Sant’Ana Bragança (1956). O sacrário tem, na porta, o Cordeiro de Deus.
As paredes laterais estão totalmente revestidas de azulejos azuis e brancos, também do séc. XVIII, com representações alusivas à fundação da Ordem dos Carmelitas: na parte superior A Glorificação de Santa Teresa de Jesus e de São João da Cruz, Nossa Senhora do Carmo e as Almas do Purgatório, A Entrega pela Virgem da casula a Santo Ildefonso e A entrega do escapulário a São Simão Stock; na parte inferior estão representados quatro Santos Carmelitas: São Avertano, São Brocardo, São Ângelo e Santo André.
O esplêndido tecto da capela-mor tem, na cartela central, referência à reforma do Carmelo com legendas: Nossa Senhora do Carmo - Vivet Carmeli Candidus Ordo Mihi (A Ordem do Carmo viverá em mim); Santo Elias - Ego Maria plantavi (Eu, Maria, plantei [a Ordem do Carmelo]); Santa Teresa de Jesus Ego Maria Reformavi (Eu, Maria, Reformei [a Ordem do Carmelo]); e o escudo da Ordem Carmelita.
Ainda na capela-mor encontra-se um notável cadeiral com as insígnias da Venerável Ordem Terceira Franciscana - as Cinco Chagas, os braços cruzados de Cristo e São Francisco, a Cruz, a Coroa - e o escudo de Portugal.
Na antiga sacristia destaca-se um notável lavabo de cantaria lavrada também com o brasão carmelita. A lápide sobre a porta, tem inscrição referente ao patrocínio Esta sacristia mandou fazer à sua custa o Senhor D. João de Lencastre Governador e Capitão Geral deste Reino. 1691.
Contíguo à igreja encontra-se o antigo claustro do convento. Numa das paredes, encontra-se o histórico brasão, em madeira, da Ordem Terceira de São Francisco.
III . NOSSA SENHORA DO CARMO: CULTO E ICONOGRAFIA
A origem do culto a Nossa Senhora do Carmo remonta ao séc. VIII a. C., quando o profeta Elias se refugiou no Monte Carmelo, em Israel, um alto promontório na costa oriental do Mar Mediterrâneo. Neste local, o Profeta, depois de implorar a Deus, viu ao longe no mar uma pequena nuvem, presságio da chuva providencial que salvaria Israel de uma grande seca e prefiguração da intercessão de Nossa Senhora - também invocada como Flor do Carmelo, Estrela do Mar, Esplendor do Céu. Segundo o relato bíblico, Elias foi acordado por um Anjo, que lhe ofereceu pão para o fortalecer; e finalmente, no Monte Carmelo, foi arrebatado aos céus num carro de fogo, na presença de Eliseu, o novo Profeta de Israel.
O culto à Virgem do Carmo difundiu-se pela Europa através da Ordem Carmelita. Em 1251, São Simão Stock recebeu de Nossa Senhora o Escapulário do Carmo, como promessa e garantia da sua protecção maternal. O Santo Escapulário, Hábito ou Traje de Maria, é um sinal e penhor de proteção da Mãe de Deus (Pio XII), sendo uma das devoções mais difundidas. Também se associou o Privilégio Sabatino, como promessa de Nossa Senhora aos que morrem na Graça de Deus, de alcançarem o Céu no Sábado seguinte à sua morte.
Nossa Senhora do Carmo é representada com as vestes das cores do Carmelo – castanho e branco – e com o Escapulário, frequentemente com o Menino Jesus ao colo, segurando também o escapulário – como na imagem da igreja do Carmo de Luanda.
A Festa litúrgica é celebrada a 16 de Julho.
IV . A ORDEM DOS CARMELITAS DESCALÇOS EM ANGOLA
As origens da Ordem Carmelita remontam ao Séc. XII quando um pequeno grupo de eremitas se reuniu no Monte Carmelo, seguindo Santo Elias. No séc. XIII, devido às perseguições, regressaram às suas terras de origem na Europa, sendo a Regra adaptada ao novo modo de vida, no contexto europeu
Estão representados na capela-mor da igreja do antigo Convento de Santa Teresa em Luanda, alguns dos primeiros carmelitas canonizados: São Brocardo (1220), São Ângelo (1220), São Avertano (c. 1386) e Santo André (1374).
Em 1562, Santa Teresa de Ávila (1515-1582) com a colaboração de São João da Cruz (1542-1591) reformou a Ordem, devolvendo-lhe a primitiva austeridade e fundando a Ordem dos Carmelitas Descalços (OCD). Tem representado no brasão o Monte Carmelo com cruz – referência às origens da Ordem -, dividido em dois campos de cor branca e castanha –as cores do hábito Carmelita; com 3 estrelas – simbolizando a Virgem Maria e os profetas Elias e Eliseu.
Após várias vicissitudes, os primeiros Carmelitas Descalços chegaram ao Congo em 1582, onde permaneceram até 1589. Por intervenção da Rainha D. Luísa de Gusmão e com o padroado dos Reis de Portugal, chegaram a Luanda em 1659, onde fundaram o Convento de Santa Teresa.
Os Carmelitas desempenharam um papel muito importante na evangelização e no ensino em Luanda. Dedicaram-se também à missionação das terras do interior, com muitas dificuldades, incluindo o martírio. Em 1666 foram trasladadas para Luanda as relíquias dos Mártires de Aquingengo.
Foram vários os bispos da Ordem dos Carmelitas Descalços em Angola, que contribuíram de modo significativo para o desenvolvimento da Diocese, nomeadamente D. António do Espírito Santo que está sepultado na igreja do Carmo.
O decreto de extinção das Ordens Religiosas em 1834, levou ao desaparecimento da Ordem Carmelita em Portugal e, em consequência, também em Luanda. A partir do início séc. XX, a missionação foi retomada por carmelitas de Portugal e do Brasil.
Os missionários trouxeram às terras africanas a espiritualidade carmelita: o amor à vida contemplativa e à oração, a veneração a Nossa Senhora do Carmo e a São José, e, em particular, a devoção ao Escapulário do Carmo.
Referências:
- BATALHA, Fernando, A Igreja e o convento dos Carmelitas de Luanda, Boletim do Instituto de Angola, nº 1, 1953
- CUNHA, Manuel Alves da, Igreja Nossa Senhora do Carmo, Edição do Museu de Angola, Luanda, 1953.
- RODRIGUES, Hélder, Igreja do Antigo Convento de Santa Teresa dos Carmelitas Descalços de Luanda, Universidade do Algarve, FCHS, 2011
Nota: Texto e Fotografia: ACDA (Associação de Cultura e Desenvolvimento de Angola)
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