Igreja de Nossa Senhora do Cabo, Luanda


Nesta página: 

I . História

II . Descrição

III . Nossa Senhora do Cabo

 

I . HISTÓRIA

Paulo Dias de Novais (c. 1510 - 1589) – o primeiro governador de Angola -, ao desembarcar na ilha de Luanda em Fevereiro de 1575, encontrou já edificada uma ermida.

A ilha estava habitada por uma população numerosa - os bacongo – bem como por cerca de quatro dezenas de comerciantes portugueses, fugidos às guerras do Congo, e que aí tinham construído uma capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição.

A ilha era possessão do rei do Congo, utilizada por este para o comércio rendoso do zimbo ou nzimbo: Esta ilha é mina do Congo, porque aqui se pesca o búzio, que é dinheiro que corre em toda esta terra (1). Segundo descrições da época, a ilha possuía sete povoados…

O primeiro desembarque foi uma notável manifestação de religiosidade. Paulo Dias de Novais desembarcou na ilha com toda a solenidade. Ia acompanhado de uma missão de quatro jesuítas, tendo como superior o Pe. Garcia Simões.

Dirigiram-se em procissão à primitiva capela de Nossa Senhora da Conceição – com toda a gente das naus -, levando com muita devoção relíquias das Onze Mil Virgens e aí foi celebrada a primeira Missa: Saltou o governador Paulo Dias de Novais na Ilha-de-Luanda com toda a sua gente; e postos em devota procissão, com magnífico e religioso aparato, precedidos de trombetas e outros instrumentos bélicos e de um Sacerdote, que levava, debaixo do pálio, algumas Relíquias, (…) Ali, em um altar portátil, se disse Missa (…). Concorreram, a ver estes actos, infinitos Pretos, que viviam na Ilha-de-Luanda (2).

Paulo Dias de Novais recebeu os Principais da Ilha e os Jesuítas acomodaram-se em palhotas junto à capela.

O rei do Congo D. Álvaro I (c. 1530-1587), senhor da ilha, enviou uma embaixada, com um grande séquito de cem escravos e uma infinidade de gado, que foi recebida por Paulo Dias de Novais em 29 de Junho, junto à capela. Dia de São Pedro e São Paulo entrou este embaixador e sabendo o Governador que estava ainda na ilha, o veio aqui receber; e porque não havia logar mais acomodado que a nossa choupana, a qual está junto à igreja, quis-lhe fazer nela o recebimento (1).

Paulo Dias de Novais foi ao encontro do embaixador também com grande pompa, (…) assim veio o Governador em seis embarcações com quasi toda sua gente, todos bem vestidos e lustrosos e fazendo oração na Igreja, que estava muito fresca e enramada, e assim entrou para casa e se assentou em sua cadeira, no logar que lhe tinham aparelhado, e dois sacerdotes, um o cura que aqui estava, outro que trouxera consigo, à mão direita e esquerda, e daqui mandou alguns homens principais que fossem buscar o embaixador, o qual veio logo com eles e com a sua companhia e com sua gente (1).

Obtida a permissão do rei do Congo, Paulo Dias de Novais mudou-se para terra firme, no ano seguinte (1576), onde fundou a vila de São Paulo de Luanda.

Cerca de meio século depois, a pequena capela da ilha caiu em ruínas durante o domínio holandês (1641-1648), tal como a maioria das igrejas e conventos de Luanda.

Após a restauração do domínio português em 1648, ergueu-se no local da primitiva ermida, uma nova igreja dedicada a Nossa Senhora do Cabo – substituindo o antigo orago de Nossa Senhora da Conceição. Foi instituída uma Confraria, que obteve do governo em 1669, a concessão de um terreno devoluto que corre da ermida e casa da Senhora para a banda dos coqueiros dos Reverendos Padres da Companhia de Jesus (3).

A igreja, situada na ponta da ilha, era assistida por um capelão, encarregado de celebrar missa e da manutenção do culto, e por um ermitão.

Numa Relação de 1694, confirmou-se que na igreja se celebrava missa aos domingos e dias santificados, a que assistiam os moradores. Na ilha viviam alguns brancos, muitos negros, escravos dos moradores da cidade (…) e também alguns forros.

A igreja não foi mencionada como paróquia nas relações dos séculos XVII e XVIII. Os Muxiluandas da Ilha recorriam à igreja dos Remédios da cidade – por isso também chamada freguesia dos Muxiluandas.

No século XVIII, assistiu-se a uma degradação da vida eclesiástica, motivada principalmente pela queda moral que supunha o comércio negreiro, a que se juntou a expulsão de todas as ordens religiosas pelo decreto de 1834, que deixou muitas igrejas e conventos abandonados e em ruína. Em meados do século XIX, a igreja não tinha ainda, segundo os escritos da época, cura de almas.

Em 1 de Setembro de 1854, a igreja de Nossa Senhora do Cabo foi elevada a Matriz Paroquial, substituindo a igreja de São João Baptista da Cazanga, então em total ruína. O pedido foi feito pelo comandante das ilhas, Joaquim Eugénio Ferreira, e pelos moradores, com provisão do Bispo D. Joaquim Moreira Reis (1812-1887), possivelmente por o núcleo populacional na ilha de Luanda ser o mais numeroso de entre as restantes ilhas. No entanto, por falta de clero, só em 1861 é que foi provida de pároco pelo novo Bispo D. Manuel de Santa Rita Barros (1810-1862).

A igreja, que estava muito degradada, começou a ser restaurada em 1870, com obras a cargo de uma comissão de moradores, e com orçamento aprovado pelo governador-geral interino Joaquim José da Graça (1825-1889). A ermida da Nazaré serviu de paroquial por alguns anos, durante o período de restauro.

Em 1945, a igreja foi classificada como Imóvel de Interesse Público pelo Instituto Nacional de Património Cultural.

Em 2021, foi assinalada como Património Histórico-Cultural pelo Ministro da Cultura, Turismo e Ambiente.



II . DESCRIÇÃO

A igreja de Nossa Senhora do Cabo é uma construção em pedra, mantendo ainda hoje uma configuração peculiar, com a frontaria branqueada e de grande simplicidade.

A fachada principal está virada a Sudeste. O portal, em arco abatido, está ladeado por colunas com pináculos. No frontal triangular destaca-se um quadrante possivelmente base de um primitivo relógio. O tímpano tem uma cartela raiada e volutada, tal como o remate da fachada.

Do lado esquerdo encontra-se uma graciosa torre sineira, rematada por balaustrada com acrotérios. Tem na base um particular corpo quadrangular, também com balaustrada, a que se acede por escadaria exterior.

O interior é especialmente iluminado, com paredes brancas, demarcadas a amarelo.

Na nave, simples, destaca-se do lado esquerdo o púlpito, de base em pedra, decorada, também pintada de amarelo, com guarda em ferro. À entrada do lado esquerdo, encontra-se um crucifixo de grandes dimensões, imagem expressiva da devoção local.

O arco triunfal, de volta perfeita, está ladeado por dois graciosos nichos, em molde duplo, com imagens.

Destaca-se a pequena capela-mor, também nas mesmas tonalidades, iluminada por uma janela do lado direito. Na parede fundeira, o arco tem elementos laterais em talha dourada, e está delimitado por arquivolta torsa.

O precioso retábulo tem estrutura em talha dourada. No nicho preside a veneranda imagem de Nossa Senhora do Cabo, padroeira da igreja. Na talha dourada que envolve a Virgem, há uma profusão de flores e frutos, que torna este retábulo particularmente valioso.

A estrutura retabular tem grandes aletas laterais, vazadas, também em talha dourada e, no remate uma coroa – possível alusão à Mãe de Deus, Rainha do Céu.

O pequeno sacrário está integrado na parte inferior do retábulo.



III . NOSSA SENHORA DO CABO

Segundo a tradição, a invocação de Nossa Senhora do Cabo foi-lhe dada pela sua situação particular na ilha, aquando da nova construção em 1669. Provavelmente ter-se-ia tido em conta a igreja matriz de Luanda, também com invocação de Nossa Senhora da Conceição, segundo o antigo costume.

A imagem de Nossa Senhora do Cabo, em faiança, é de grande beleza. A Virgem tem manto azul e uma veste em tons claros. Tem o Menino Jesus no braço esquerdo, que por sua vez pousa a mão sobre uma esfera – o mundo – e que com a outra abençoa. Ambas as figuras estão coroadas. Na base encontram-se três querubins. A Virgem teria possivelmente uma flor na mão direita.

As festas em honra de Nossa Senhora do Cabo, padroeira dos pescadores, são particularmente vividas na ilha. São celebradas no mês de Novembro.

 

  1. Carta de Garcia Simões para o Provincial, de São Paulo de Luanda, a vinte de Outubro de 1575 in FERRAZ, Susana, Espaço Público de Luanda, Património arquitectónico colonial angolano e português, pp. 137, 272 -279.
  2. Cardoso, Feo, Memórias in FERRAZ, Susana, Espaço Público de Luanda, Património arquitectónico colonial angolano e português, p. 105.
  3. História Eclesiástica – A Ermida de Nossa Senhora do Cabo da Ilha-de-Luanda, 1669, Secção dos Manuscritos da Biblioteca Municipal de Luanda, livro 7399, às fls. 133, v. e seguintes, in Diogo Cão - Revista Ilustrada de Assuntos Históricos, I Série Angola Nº 6, 1932, pp 172-176.

 

REFERÊNCIAS

  • DELGADO, Ralph, História de Angola, Edição do Banco de Angola, 1948.
  • GABRIEL, Manuel Nunes, Padrões da Fé: As Igrejas Antigas de Angola. Braga, Edição da Arquidiocese de Luanda, 1981.
  • FERRAZ, Susana, Espaço Público de Luanda, Património arquitectónico colonial angolano e português, Dissertação de mestrado, Porto FAUP, 2005.
  • MATTOSO, José (Dir.), Património de Origem Portuguesa no Mundo, arquitectura e urbanismo: África, Mar Vermelho e Golfo Pérsico. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.

 

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