Igreja do antigo Mosteiro de São Bento da Vitória, Porto
Nesta página:
I . História
II . Descrição
III . A Ordem Beneditina
IV . Os Beneditinos em Portugal
I . HISTÓRIA
O Mosteiro de São Bento da Vitória, no Porto, o último a ser construído pelos beneditinos da antiga Congregação Portuguesa, foi fundado em 1598. A primeira pedra, benzida pelo Bispo D. Jerónimo de Meneses, foi colocada pelo D. Abade Geral Frei Baltasar de Braga.
O processo de edificação do mosteiro de São Bento da Vitória foi longo e muito custoso para a Congregação. O terreno para a construção situava-se perto das Portas do Olival, no coração do velho Porto, ocupando parte da antiga judiaria. Vencida a oposição inicial do burgo, iniciou-se em 1604, a construção, sob a traça do arquitecto real Diogo Marques Lucas (?-1640).
Em 1608, foi lançada solenemente a primeira pedra do Claustro Nobre, também por D. Frei Baltasar de Braga, com a respectiva inscrição - Frater Balthazar de Braga, tertio Abbas Generalis sancti Benedicti hunc lapidem jecit Abbate Fr. Antonio de Azurar anno Domino 1608.
Em 1640, a igreja ainda não estava concluída, e as obras no mosteiro avançavam lentamente.
A primitiva igreja foi substituída pela actual em 1693. A antiga capela-mor foi demolida e levantada uma nova, mais espaçosa, estando concluída em 1703.
Em 1707, estavam finalizadas as obras de construção da igreja, tendo sido solenemente benzida pelo D. Abade Geral Frei Pedro da Ascensão.
Os sucessivos abades do mosteiro procuraram completar e embelezar a igreja e os seus anexos, na boa tradição da antiga Congregação. A igreja e mosteiro foram edificados pouco a pouco ao longo de mais de dois séculos.
O mosteiro tornou-se um centro de cultura, sobretudo ao nível da música e do canto, tendo criado uma verdadeira escola ou capela de canto.
Ao longo do século XIX, o mosteiro teve uma vida muito atribulada, com as invasões francesas, o Cerco do Porto e o decreto de extinção das ordens religiosas, com todos os efeitos que se seguiram.
Em 1809, durante as invasões francesas, instalou-se o Hospital Militar na ala poente do mosteiro, onde permaneceu até 1816, voltando a instalar-se entre 1827 e 1832. Com a revolução liberal e o Cerco do Porto, em 1832/1833, os monges dispersaram-se, ficando a presença monástica muito reduzida.
Em 1833, na sequência do decreto de extinção das Ordens Religiosas, os monges foram expulsos, e os bens incorporados na Fazenda Nacional. No mosteiro, instalaram-se sucessivamente o Quartel militar, Casa de Reclusão Militar, tribunais e outros serviços do Exército.
Em 1835, a sede da Paróquia de Nossa Senhora da Vitória, igreja muito danificada pela guerra civil, foi transferida para a igreja do mosteiro, e aí permaneceu até 1852. No ano seguinte, foi entregue à Arquiconfraria do Santíssimo e Imaculado Coração de Maria, que ficou a administrar os bens da extinta igreja monástica.
Em 13 de Outubro de 1942, a igreja foi restituída aos beneditinos por D. Agostinho de Jesus e Sousa, Bispo do Porto, sendo extinta a Arquiconfraria. O Estado devolveu também aos monges uma parte do edifício claustral.
Em 1977, o mosteiro deixou de estar ao serviço do Exército, ficando em grande parte devoluto e abandonado. As obras de restauro e recuperação do mosteiro iniciaram-se em 1984, permitindo a adaptação a Centro Nacional de Música e a reabilitação da parte monástica.
Em 1990, os monges reinstalaram-se na ala restaurada do mosteiro, voltando a ocupar o espaço monástico de São Bento da Vitória.
Actualmente, o antigo mosteiro está também ocupado pela Orquestra Clássica do Porto na ala nascente e Sul, abrangendo todo o claustro Nobre; e pelo Arquivo Distrital do Porto, inaugurado oficialmente em 1995 em parte da ala sul e poente, correspondente à última fase de restauro do antigo e monumental edifício monástico de São Bento da Vitória.
II . DESCRIÇÃO
A igreja do antigo Mosteiro de São Bento da Vitória é um dos edifícios religiosos mais importantes da cidade do Porto, pela grandiosidade e monumentalidade arquitectónica.
A fachada, em granito, tem cinco portadas em arco, fechadas por gradeamento, tendo ao centro o emblema beneditino.
No segundo registo, tem três nichos com imagens de São Bento ao centro, ladeado por Santa Escolástica e Santa Gertrudes; no terceiro registo, destaca-se o grande janelão semicircular – o chamado óculo térmico - colocado para dar mais luz e calor ao coro-alto. No cimo, encontra-se a imagem de Nossa Senhora da Vitória a coroar o edifício.
As duas torres sineiras, com cúpulas bolbosas, estão recuadas relativamente à fachada,
À esquerda desenvolve-se o antigo edifício monástico.
A igreja está precedida por galilé, que dá também acesso ao antigo mosteiro.
O interior é majestoso e amplamente iluminado.
Tem nave única e tecto em abóbada de canhão em caixotões, excepto no cruzeiro, com abóbada de aresta nervurada.
De ambos os lados da nave, estão três capelas intercomunicantes, fechadas por balaustrada de jacarandá.
À direita, encontram-se a Capela de Santa Ana, com retábulo em talha e admirável escultura das Santas Mães, ladeada por imagens de São João de Deus e Santo António; a capela do Imaculado Coração de Maria, anteriormente de Santa Lutgarda; e a capela de Santo Amaro, com imagens de Santa Gertrudes e São Luis de Gonzaga.
À esquerda, o primeiro espaço, anteriormente capela de São Caetano, dá acesso ao coro alto; segue-se a capela de Nossa Senhora de La Salette, anteriormente de Nossa Senhora da Guia, e a capela do Sagrado Coração de Jesus, anteriormente de São Simeão.
No topo da nave, destacam-se os dois púlpitos com grades em pau-preto, encimados por figuras alegóricas, obra de Gabriel Rodrigues (1722): o Zelo, sob a forma de um guerreiro, com legenda Zelus domus tuae – O Zelo da Tua Casa (Sal 68, 10); e a Verdade, em figura de mulher e legenda Verbum Veritatis – Palavra da Verdade (Sal 118, 43).
No topo dos braços do transepto, destacam-se dois magníficos retábulos em talha dourada, confrontantes e idênticos. São obra dos mestres entalhadores José da Fonseca Lima e José Martins Tinoco (1755).
O retábulo da direita, dedicado ao Santíssimo com os Doutores da Igreja, tem painel em relevo de talha policroma com O Triunfo da Eucaristia e, no registo inferior A Senhora da Consolação, conjunto rodeado por imagens de quatro Papas beneditinos: São Gregório Magno, São Bonifácio, São Leão IV e São Gregório VII; no topo, imagem do Rei David com a cítara, acompanhado de anjos.
O retábulo da esquerda, dedicado a Nossa Senhora do Desterro com os Doutores da Virgem, tem também painel em relevo com A Fuga para o Egipto e, no registo inferior, A Sagrada Família, conjunto também rodeado por imagens de quatro doutores que escreveram sobre a Virgem: Santo Ildefonso de Toledo, Santo Anselmo, São Bernardo e São Roberto (?); no remate, imagem do Rei Salomão com a coluna do Templo de Jerusalém.
De ambos os lados do arco triunfal, coroado pelo escudo da Congregação Beneditina Portuguesa, encontram-se dois altares de talha. O da esquerda é dedicado a Santa Escolástica, retratada em hábito monástico; o da direita é o do Santíssimo Sacramento, presidido por imagem de Santa Gertrudes, com sacrário também de talha com imagem de Cristo Ressuscitado.
Na capela-mor, espaçosa e bem iluminada, destaca-se o sumptuoso retábulo em talha dourada, atribuído ao Mestre Bento de Alvarenga da Costa (1703), com trono escalonado para o Santíssimo Sacramento. No centro do retábulo, está a imagem de São Bento, padroeiro da igreja, possivelmente de Frei José de santo António Vilaça (1771-1809), ladeado por São José e São Joaquim. Na base, encontra-se integrado o sacrário, salientando-se a porta com representação original do Agnus Dei com cruz e dois querubins, rodeado de uma proliferação de anjos. Está ladeado pelas imagens de São Pedro e São Paulo.
Lateralmente ao altar-mor, destacam-se dois admiráveis anjos tocheiros.
Na capela-mor, no chamado coro-baixo, encontra-se o cadeiral monástico, com cinquenta assentos, em jacarandá, de finais do século XVIII.
No coro alto, elevado por cima da galilé, está o magnífico cadeiral, obra de Marceliano de Araújo (c. 1680-1769), com uma ilustração completa da biografia de São Bento.
Sobre a nave, assente em tribuna de talha dourada, destaca-se o órgão do Mestre Organeiro Frei Manuel de São Bento (1722). Fronteiro a este, em simetria, encontra-se o órgão mudo, também em tribuna de talha dourada.
III . A ORDEM BENEDITINA
A milenar Ordem Beneditina, Ordo Sancti Benedicti (OSB), teve origem na célebre Regra de São Bento. O Santo Patriarca não fundou uma ordem mas vários mosteiros que tinham em comum a Regra, sendo cada mosteiro uma unidade autónoma, sujeita a um Abade, de acordo com o espírito da mesma.
Impulsionada pelo Papa São Gregório Magno (c. 540 - 604), a Regra começou a expandir-se pela Europa. A sua difusão foi muito grande e, no século IX, a vida beneditina era praticamente a única forma de vida monástica da Europa Ocidental. Os monges de São Bento foram os grandes evangelizadores e civilizadores da Europa, assumindo um papel social e cultural vigoroso e dinâmico na formação da Europa cristã.
A Ordem Beneditina conheceu várias reformas, a primeira das quais teve início na Abadia de Cluny na Borgonha, e por isso chamada cluniacense. No século XI, teve lugar a importante reforma cisterciense, impulsionada por São Bernardo de Claraval 1090 - 1153). Posteriormente, no século XVI, iniciou-se a grande Reforma Beneditina promovida pelo Concílio de Trento (1545 - 1563), sendo então criadas as Congregações.
Os beneditinos, também chamados monges negros devido à cor do hábito, professam os três votos essenciais do estado religioso, explicitando o da obediência à submissão ao prior ou abade, bem como os votos de estabilidade no mosteiro ou na congregação, e de conversão dos costumes. O seu lema, Ora et Labora, é um resumo da espiritualidade beneditina, apoiada no Ofício Divino comunitário, que tem significativa expressão nos coros das igrejas monásticas.
No culto dos santos da ordem beneditina, destacam-se São Bento, acompanhado de Santo Amaro – ou São Mauro -, São Gregório Magno – biógrafo de São Bento - e outros papas beneditinos.
Entre as monjas beneditinas, são particularmente veneradas Santa Escolástica – irmã de São Bento -, Santa Gertrudes e Santa Lutgarda.
IV. OS BENEDITINOS EM PORTUGAL
São Bento e a sua Regra estão ligados a Portugal desde a sua origem, quer na constituição da nossa identidade, quer, ao longo dos séculos, entranhados na história do país e de cada região e nas raízes essencialmente cristãs da cultura portuguesa.
A Regra de São Bento foi introduzida em território portucalense pelos monges cluniacenses, a partir do Concílio de Coyanza (1050/1055), embora seja de 959 a primeira referência explícita à mesma.
Tendo conhecido grande expansão até ao século XII, foi notável o papel dos mosteiros beneditinos na tarefa da reconquista cristã, particularmente no Norte, como refere Frei Leão de São Tomás na Beneditina Lusitana: «Na província de Entre-Douro-e-Minho se viu um agregado de tantos mosteiros e de tantas estrelas neles, que com razão lhe podemos chamar Via Láctea da Religião de São Bento de Portugal».
Seguiu-se um longo período de decadência, efeito em grande parte dos excessos de padroeiros e comendatários, em que os bens e a disciplina monástica se vão degradando, sendo extintos muitos mosteiros e alguns entregues a outras ordens.
A reforma da Ordem iniciou-se com o Concílio de Trento (1545-1563), no contexto da reforma católica promovida pelo mesmo Concílio. A Bula In eminenti (1566) do Papa São Pio V, determinou a união de todos os mosteiros de São Bento em Portugal e, em 1567 foi instituída a Congregação dos Monges Negros de São Bento dos Reinos de Portugal com sede em Tibães. Procedeu à reforma dos mosteiros que já existiam e promoveu novas fundações, entre as quais o Mosteiro de São Bento da Vitória no Porto. Em 1580, a Ordem estendeu-se para o Brasil, onde foi instituída a Província Beneditina do Brasil, unida à Congregação portuguesa.
A antiga Congregação Beneditina Portuguesa tinha um escudo oval dividido, tendo no campo direito um leão rampante segurando o báculo – insígnia do poder abacial. No campo esquerdo, está um castelo com porta aberta de onde jorra uma torrente – a Fé dilatada pelo Ultramar – e um Sol pleno. A Mitra Abacial encima o escudo, envolvida pela Coroa Real – a Congregação portuguesa é regida por abades mitrados, iluminada pelo sol de São Bento, com protecção régia, e difunde-se como um rio que se espraia para além dos mares.
As invasões francesas (1807-1810) introduziram um período de grande instabilidade, a que se seguiu as perturbações ocasionadas pela guerra civil (1832-1834). Em 1834, na sequência do decreto de extinção das ordens religiosas, os mosteiros foram abandonados, grande parte já saqueados, degradando-se rapidamente.
Em 1865, iniciou-se a restauração da Ordem, por acção de D. Fr. João de Santa Gertrudes Leite de Amorim, monge de nacionalidade portuguesa vindo do Rio de Janeiro, a partir do antigo mosteiro de Cucujães.
Em 1892, foi fundado o mosteiro de Singeverga, em Roriz, posteriormente elevado a Abadia. E, em 1943, instalou-se a cela monástica no antigo mosteiro de São Bento da Vitória no Porto.
A herança cultural beneditina e as raízes profundamente cristãs de Portugal estão patentes de modo particular no legado religioso, que abrange vários períodos da nossa história e todo o espaço português.
A dimensão do património beneditino português não se esgota em Portugal continental e ilhas, antes se prolonga para as terras do Brasil, realizando o voto de passar o mar da antiga Congregação Beneditina Portuguesa.
São Bento, Padroeiro da Europa, teve e continua a ter em Portugal, desde os alvores da nacionalidade, um povo fiel e confiante na sua intercessão, manifestada em igrejas e santuários vivos de devoção, em pequenas capelas dispersas no meio de povoados.
REFERÊNCIAS
- ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja em Portugal, Porto, Portucalense Editora, 1967-1971.
- O MOSTEIRO DE SÃO BENTO DA VITÓRIA 400 anos, Porto, Edições Afrontamento, 1997.
- DIAS, Geraldo José Amadeu Coelho, São Bento da Vitória: Quatrocentos Anos da fundação do Mosteiro, Porto, Associação Comercial do Porto, 1997.
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