Sé de Faro


Nesta página: 

I . História

II . Descrição

III . Santa Maria de Faro

 

I . HISTÓRIA

A igreja matriz de Santa Maria de Faro foi edificada após a conquista da cidade aos mouros por D. Afonso III em 1249. Construída possivelmente sobre a antiga mesquita – que por sua vez teria sido edificada sobre um templo cristão visigótico -, foi entregue à Ordem de Santiago.

Foi ampliada no reinado de D. Dinis (1261-1325), tendo uma campanha de obras no século XV. Datam desta época os vestígios medievais, como o torreão e as capelas do cruzeiro. É desta época o célebre retábulo de alabastro executado em Inglaterra e adquirido possivelmente pelos Mestres da Ordem de Santiago naquela região e que se manteve na capela-mor até ser substituído pelo novo retábulo.

Em 1577, a igreja de Santa Maria tornou-se sede da diocese do Algarve, transferida de Silves, transferindo-se também a comenda de Santiago para a igreja de São Pedro, que passou a ser Matriz de Faro. Na Sexta-feira da Paixão desse ano, o bispo D. Jerónimo Osório (1506-1580) oficiava pela primeira vez na nova Sé. Foi iniciada a construção do paço episcopal num dos lados do terreiro da Sé.

A 25 de Julho de 1596, as tropas inglesas do Conde de Essex saquearam e incendiaram a cidade de Faro, arruinando gravemente a Sé: os sinos e o relógio da torre sineira foram roubados, o cartório e os paramentos incendiados; os retábulos, o coro com os órgãos, foram destruídos; a valiosa biblioteca episcopal foi levada para Inglaterra e actualmente faz parte da Biblioteca Bodleiana em Oxford. Subsistiram a Torre e as abóbadas de oito capelas.

A reconstrução da igreja foi levada a cabo nos anos seguintes, fizeram-se obras quase gerais. O interior foi radicalmente transformado: as arcarias góticas foram substituídas por colunas toscanas; foi reedificada a capela-mor (1640) e uma nova capela do Santíssimo (1673); foram construídas novas capelas – capela de Jesus (1603), capela de Nossa Senhora do Rosário (1690). As capelas medievais do transepto foram revestidas de azulejo.

No período em que a Sé esteve vaga (1649-1671) o Cabido fez melhoramentos no templo: substituição das portas laterais góticas pelas actuais, revestimento de azulejo da capela-mor e nas naves laterais.

Iniciou-se também a construção do claustro - posteriormente transformado em cemitério destinado a pobres -; foram também edificadas a capela de São Miguel e a capela dos Ossos.

No século XVIII, uma nova campanha de obras incluiu a edificação de capelas particularmente notáveis - do Santo Lenho e de São Brás -, e a colocação do Grande Órgão no coro-alto.

Os terramotos de 1722 e de 1755 provocaram muitos danos, perdendo-se definitivamente outros vestígios medievais.

As primeiras obras de restauro incluíram o alargamento do Terreiro da Sé, tendo sido posteriormente encarregado de orientar os trabalhos, nomeadamente o restauro do antigo paço episcopal, o famoso arquitecto italiano Francisco Fabri (1761-1817), a convite do Bispo D. Francisco Gomes de Avelar (1789-1816). A capela do Santo Lenho foi adaptada ao culto de São Francisco de Paula.

As campanhas de obras dos finais do século XX e inícios do século XXI, que incluíram o restauro do campanário e a recuperação do antigo claustro, puseram a descoberto um túmulo medieval na capela de São Domingos. Realizaram-se também intervenções na capela-mor segundo as novas orientações litúrgicas e foi instalado o Museu de Arte Sacra.

Em 21 de Janeiro de 2024, foram solenemente trasladadas de Lisboa para a Sé de Faro, parte das relíquias de São Vicente, padroeiro comum das duas dioceses.



II . DESCRIÇÃO

A Sé de Faro está implantada na zona mais antiga da cidade medieval - núcleo histórico de Vila-a-dentro. A ampla escadaria e o grande adro empedrado com a estátua de D. Francisco Gomes Avelar enquadram o monumento.

Na fachada principal destaca-se o torreão (1), em pedra emparelhada, com pórtico de três vãos de arcos ogivais, portadas de ferro forjado e armas de D. António Mendes Bello (1885-1908). O campanário tem relógio ao centro da empena e, no terraço, desfruta-se uma excelente vista sobre o centro histórico e a Ria Formosa.

À direita da torre, salienta-se uma lápide sepulcral incrustada na fachada - A S DE LOPO DE FARIA Q DEIXOV A ESTA SEE A SVA ORTA COM SINQVO OFICIOS PERPETVOS F ANO 1581

Um nártex com abóbada de cruzaria dá acesso ao interior do templo, com o portal de arquivolta e capiteis decorados. O intradorso do arco tem decoração de brutesco a têmpera sobre pedra.

A capela baptismal (2), reconstruída em 1708, está revestida a azulejo.

Na capela do Senhor Jesus dos Pobres (3), fundada pelo cónego Gaspar da Mota, no final do século XVI. O terramoto destruiu a abóbada, que foi restaurada no século XX. Destaca-se o Senhor Crucificado, sobre trono e, sob o altar, está a imagem jacente do Senhor Morto, do século XVIII. O retábulo, do século XVIII, dourado por um artista tavirense Francisco Correia da Silva (1751), tem no fecho cartela com coração e coroa de espinhos.

Na capela de Nossa Senhora do Rosário (4), destaca-se no pórtico o brasão de D. Simão da Gama (1685-1703), patrocinador da mesma e protector da Confraria de Nossa Senhora do Rosário, à qual esta capela esteve associada. Tem uma pequena cúpula, que lhe dá uma particular luminosidade. À entrada encontram-se dois peculiares lampadários sustentados por meninos pretos - referência à antiga irmandade que desde o século XVI agrupava os nativos africanos.

A capela está inteiramente revestida de azulejos, com temas marianos, do século XVIII. Os painéis laterais, atribuídos a António Pereira Ravasco (m. 1712), representam A Fuga para o Egipto e O Regresso da Sagrada Família, e na base e pendentes da abóbada, figuram anjos com símbolos da litania.

O retábulo, em talha dourada sobre fundo carmesim, do mestre Francisco de Ataíde (1724), tem a imagem de Nossa Senhora do Rosário, do século XVII, sobre trono piramidal; e, no ático, representação do Sagrado Coração de Jesus, colocada posteriormente.

Na capela das Almas (5), com múltiplas referências à invocação deste altar, o pórtico em talha dourada, de Francisco de Ataíde, tem ao centro cartela com crânio e duas tíbias. O intradorso do arco tem a particularidade de ter representadas coroas reais, uma tiara e uma mitra. No retábulo, em talha dourada, de Manuel Martins (1667-1742), preside a escultura de Cristo Crucificado, ladeado por Anjos; nos tramos laterais, as esculturas do Arcanjo São Miguel e do Anjo da Guarda; e, no remate, cartela com as Cinco Chagas.

A capela de Nossa Senhora da Conceição (6), uma das capelas góticas, tem abóboda artesoada e janela geminada. A escultura de Nossa Senhora da Conceição, do século XV, é considerada uma das mais antigas de Faro. No altar em talha dourada, colocado posteriormente, figuram as Armas de Portugal - referência à Padroeira da nação lusitana. As paredes estão integralmente revestidas de azulejos polícromos, do final do século XVII, do mestre Diogo Mendes (1695).

A capela do Santíssimo Sacramento (7), iniciada por D. Francisco Barreto II (1671-1679), é uma notável capela dedicada ao culto da Eucaristia. O retábulo inclui um monumental trono eucarístico, com tribuna, em talha dourada, de Gabriel Domingues da Costa e Matias de Oliva (1679). Nos alçados laterais, dispõem-se as esculturas dos Evangelistas e, junto ao altar, dois Anjos. O tecto, em abóbada, tem um ostiário no medalhão central e as armas de D. Francisco Barreto II.

Encontra-se nesta capela um conjunto de telas do século XVII, que não pertenceram, na sua maioria, ao programa original: O Milagre da Bilocação de Santo António e A Aparição da Virgem e o Menino a São Boaventura, de autor desconhecido, cópias segundo Andrea Sacchi (1599-1661); A Ressurreição de Cristo, possivelmente de artista local; e A Última Ceia e São Francisco recebendo os Estigmas de Marcos da Cruz (c.1610-1683).

O tecto em abóbada, descaracterizado no restauro do século XX, tem pintura com motivos eucarísticos. O arco em talha dourada tem no fecho as armas de D. José de Meneses (1680-1685), em cujo bispado a capela ficou concluída.

O arco triunfal tem no fecho o brasão de D. Francisco Barreto I (1636-1649), que mandou reedificar a capela-mor e a data em que foi terminada - 1640. Lateralmente estão lápides alusivas à cerimónia solene de sagração de D. Marcelino Franco como Bispo do Algarve em 18 de Julho de 1920, e à renovação da dedicação da Sé de Faro a 19 de Julho de 1943. O actual altar e ambão do presbitério foram desenhados por Emília Nadal (n.1938), no contexto da reforma litúrgica.

Na capela-mor (8) preside no retábulo a escultura de Nossa Senhora da Assunção – padroeira da Sé -, ladeada por São Pedro e São Paulo. O tondo tem a representação da Coroação de Nossa Senhora pela Santíssima Trindade, atribuída a oficina lisboeta. Destacam-se ainda: os azulejos polícromos do século XVII, nos alçados laterais; o cadeiral - possivelmente adaptado a este espaço -, com a representação dos Apóstolos, da oficina do pintor régio Bento Coelho da Silveira (1704); e a cátedra episcopal, mais recente, desenhada por Emília Nadal.

A capela de São Francisco de Paula (9) – antiga capela do Santo Lenho - foi mandada edificar por D. António Pereira da Silva (1704-1715), estando atribuído o projecto a João Baptista Severino (m.1724). Em 1782, foi adaptada ao culto de São Francisco de Paula.

O arco tem ao centro o brasão do bispo D. António Pereira da Silva. Na capela encontra-se um notável conjunto de nichos relicários. No retábulo preside a escultura de São Francisco de Paula, estando o conjunto delimitado por colunas torsas com pormenores decorativos exóticos.

Os painéis de azulejos do século XVIII, das paredes laterais, representam cenas da Vida de São Francisco de Paula, nomeadamente a célebre Passagem do Estreito de Messina, com o lema da Ordem dos Mínimos - CHARITAS. Do lado esquerdo destaca-se o cenotáfio em mármore com o brasão de D. António Pereira da Silva, atribuído ao arquitecto régio João Antunes (1643-1712).

A capela medieval de São Domingos (10) tem abóbada de nervuras e brasão no fecho, carrancas entre folhagem nos capitéis do arco. O túmulo gótico do século XV, de Rui Valente (c. 1390 - c. 1464), Cavaleiro del Rei, tem a particularidade de ser o primeiro monumento tumular em gesso conhecido em Portugal. No pavimento encontra-se a lápide sepulcral do cónego Domingos Pereira da Silva (m. 1703), instituidor desta capela, substituindo a anterior invocação de São Jorge.

A capela de São Brás (11) tem retábulo barroco (1726-1750), encomenda da Confraria de São Brás, atribuído à oficina de Tomé da Costa e Francisco Xavier Guedelha (1748), com o santo Bispo, no nicho central, e lateralmente Santa Bárbara e Santo Alberto. O frontispício tem o atributo de São Brás – Velas cruzadas - e, no remate, cartela com dois corações inflamados – Sagrados Corações de Jesus e de Maria -, possivelmente referente a esta devoção de grande divulgação na época.

A magnífica capela de Nossa Senhora dos Prazeres (12) foi edificada por D. José da Gama, arcediago de Lagos, e concluída em 1751. A devoção está associada à alegria da Santíssima Virgem pela Ressurreição de Cristo e às dores da Paixão; muito antiga em Portugal, divulgou-se principalmente nos séculos XVII e XVIII – época da edificação da capela.

Está totalmente revestida a talha, com enorme profusão de anjos. Na tribuna encontra-se a imagem de Nossa Senhora dos Prazeres, com grandioso baldaquino octogonal, suportado por anjos atlantes. A abóbada está decorada a estuque, com painéis representando os Evangelistas. O frontal do altar tem pintura com símbolos da Paixão – Véu da Verónica, Cruz, Coroa de espinhos. O arco, também em talha dourada, sobre plintos de embutidos de mármore com símbolos marianos, tem no ático pintura de Nossa Senhora das Dores, com monograma e coroa. Encimando o conjunto encontram-se anjos com símbolos da Paixão e da Ressurreição.

No interior da igreja, destacam-se ainda o púlpito em mármore, com dossel decorado a talha; o órgão pequeno, do século XVIII; os silhares de azulejos do século XVII que revestem as paredes laterais; e duas telas representando São Tomás de Aquino de Liborio Guerini (1790), e O martírio de São Vicente, atribuível também a Guerini.

No coro-alto encontra-se a tribuna com o belíssimo Órgão Grande, do século XVIII, atribuído ao mestre João Henriques Hulenkampf (1716), discípulo do famoso organeiro alemão Arp Schnitger (1648-1719). Foi totalmente pintado com motivos de chinoiserie e decorado a talha dourada, incluindo anjos-músicos, pelo mestre Francisco Correia da Silva (1751).

Duas grandes telas representam São Paulo pregando em Atenas e a Morte de Ananias, de Liborio Guerini, de finais do século XVIII.

Na sacristia (13) encontra-se um notável retábulo de finais do século XVI ou princípios do século XVII, com escultura de Cristo Crucificado; painéis pintados delimitam o nicho central com cenas da Vida e Paixão de Cristo e, nas portadas laterais, da Vida de Nossa Senhora. Destaca-se também o grande arcaz, de João Dias (1642), e os azulejos polícromos do século XVII nas paredes laterais.

O claustro (14), edificado durante o bispado de D. Simão da Gama, ficou incompleto. Salienta-se a pedra de armas do prelado e inscrição - ANNO 1697 -, no antigo edifício do Cabido; e os contrafortes escalonados com gárgulas zoomórficas da capela medieval.

A capela de São Miguel ou das Almas (15) é actualmente utilizada como espaço expositivo; a cartela da fachada tem representação do Purgatório, e no interior, estão expostas algumas obras de arte sacra, nomeadamente uma escultura notável do Arcanjo São Miguel em madeira dourada e policromada e uma tela dos finais do século XVII, A Adoração dos Pastores, de autor desconhecido.

A capela dos Ossos (16), construída em meados do século XVII, tem retábulo com a imagem de Santa Maria no nicho central, e a particularidade de estar revestido de ossadas humanas.

O Museu Catedralício (17) está instalado no edifício do antigo Cabido. Subsiste a pintura do tecto original de uma das salas. Encontra-se em exposição um número significativo de objectos de arte sacra



III . SANTA MARIA DE FARO

O território que é hoje Portugal foi cristianizado possivelmente por influência das comunidades cristãs do Norte de África.

A cidade romana de Ossónoba situava-se no espaço amuralhado da Vila-a-dentro da actual Faro, existindo referência à diocese de Ossónoba na época romana e visigótica, entre os século III e VII.

No período muçulmano, Santa Maria de Ossónoba, cedeu gradualmente lugar a Santa Maria al-Harun, uma das principais povoações de mouros e centro de peregrinação de cristãos moçárabes. É deste período a imagem de Nossa Senhora colocada nas muralhas da Vila, ligada a uma das mais antigas tradições da devoção a Santa Maria na cidade de Faro, e referida nas célebres Cantigas de Afonso X o Sábio (1221-1284).

Com a conquista cristã do Algarve, foi reestabelecida a Diocese com sede em Silves.

Em 1577, a Diocese regressou à primitiva igreja de Santa Maria de Óssonoba – já então denominada Santa Maria de Faro -, núcleo histórico de desenvolvimento da importante urbe do reino do Algarve.

A Sé de Faro está dedicada a Nossa Senhora da Assunção, celebrando-se a sua Festa em 15 de Agosto.

 

REFERÊNCIAS

  • AZEVEDO, Carlos, (dir.) Dicionário da História Religiosa de Portugal, Lisboa, Ed. Círculo de Leitores, 2000
  • LAMEIRA, Francisco Ildefonso da Claudina, A Talha no Algarve durante o Antigo Regime, Faro, Câmara Municipal de Faro, 2000
  • Revista Monumentos, n.º 24, Março, DGEMN, 2006

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