Igreja do Carmo (Viseu)


Nesta página: 

I . História

II . Descrição

III . A Venerável Ordem Terceira do Carmo

IV . Nossa Senhora do Carmo: culto e iconografia

 

I . HISTÓRIA

A igreja de Nossa Senhora do Carmo em Viseu teve uma origem especialmente peculiar. Em 1728, os irmãos terceiros de São Francisco transferiram-se para a capela de Santa Cristina - conhecida também com o nome de Santo Amaro. Em 1733, por ocasião da chegada do religioso carmelita Frei João de Santiago, alguns dos terceiros franciscanos juntamente com devotos da Virgem do Carmo, conseguiram que fosse instituída em Viseu a Ordem Terceira do Carmo.

Com o rápido crescimento da Irmandade, a ermida de Santa Cristina mostrou-se insuficiente, decidindo os confrades construir uma igreja mais ampla, junto ao terreiro da mesma, com a invocação de Nossa Senhora do Carmo.

A 29 de Junho de 1734, foi lançada a primeira pedra do novo templo, para o qual contribuíram o cabido da Sé e, principalmente, as esmolas que os mesários conseguiram percorrendo a cidade de porta em porta. A obra foi entregue aos mestres minhotos António Ribeiro e Pascoal Rodrigues (1734-1738).

O dia 13 de Julho de 1738 foi a data escolhida para a dupla festividade - a dedicação da igreja e a trasladação solene da veneranda imagem de Nossa Senhora do Carmo para a nova igreja.

Em 1792, a Mesa da Irmandade decidiu ampliar a igreja, sendo edificada uma nova frontaria com duas torres e acrescentado o coro-alto, a sacristia e a sala de sessões.

Em 1855, realizaram-se diversas intervenções com o empenhamento do Padre António José Pereira, filho do pintor com o mesmo nome. Foram encomendadas ou restauradas várias imagens e paramentos sagrados; foi completada a pintura da abóbada no coro-alto; e, no exterior, construído o gradeamento do jardim e da igreja.

Em 2019, foram realizadas intervenções de conservação e restauro, orientadas por uma vasta equipa do Departamento dos Bens Culturais da Diocese, com o empenhamento da Irmandade dos Terceiros e de grande número de fiéis. A 7 de Julho, foi dedicado o novo altar, em celebração solene presidida por D. António Luciano.



II . DESCRIÇÃO

A igreja da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo ergue-se frente ao Largo Alves Martins – local da primitiva ermida -, na proximidade da Fonte de Santa Cristina e do Seminário Maior de Viseu.

Está situada numa zona histórica da cidade, sendo um dos mais admiráveis templos de Viseu.

A ampla escadaria com adro murado e balaustrada em granito, confere significativo realce ao conjunto monumental. No jardim lateral subsistem oliveiras e o antigo poço, actualmente inactivo.

Na imponente fachada, dos finais do século XVIII, destacam-se o pórtico e os janelões com moldura em granito lavrado. O frontão tem representado o brasão da Ordem do Carmo.

As torres sineiras têm balaustrada e cobertura em coruchéu com um original catavento - Anjo com cruz. Na torre direita, permanece a antiga caixa de toques de aviso de incêndio, colocada em 1891.

O interior é notável pelo revestimento de painéis de azulejo azul e branco e talha dourada que dão especial esplendor a todo o conjunto.

À entrada, do lado esquerdo, no vão da torre, encontra-se a capela do Senhor dos Atribulados, imagem de especial devoção da Ordem.

Na nave, a magnífica abóbada tem representada ao centro Nossa Senhora do Carmo rodeada de anjos com diversas legendas alusivas à invocação: AVEMARIA, CARMELITARUM MATER REGINA COELI PORTA PARADISI (Avé Maria, Mãe do Carmelo, Rainha do Céu, Porta do Paraíso), HIC ADEST FLAMMARUM LOCUS, INIQUO ANIMA PURGANTUR (Eis o lugar das chamas em que as almas se purificam).

Na parte inferior estão representadas as Almas do Purgatório com legenda CARMELI MATER VIVO NOS…ER AB IGNE (A Mãe do Carmelo livrar-nos-á do fogo).

Circundam o medalhão central as Virtudes Teologais e os Profetas Elias e Eliseu, o brasão da Ordem do Carmo e simbologia mariana - sol e lua.

A pintura em perspectiva, é do mestre italiano Pascoal José Parente (1765) que se fez representar no canto lateral direito com legenda PASCHALIS JOSEPHUS NEMPE PARENTE VOCATUS CORVATI PINXIT FORNICIS HUIUS OPUS ANNO DNI 1765 [Pascoal José Parente, chamado Corcunda, pintou a obra deste tecto no ano do Senhor de1765].

Na abóbada junto ao coro-alto, pintada em 1862 pelo artista viseense António José Pereira (1821-1895) e restaurada pelo filho em 1900, o artista fez-se também representar - Hinc Antonius alter Joseph nempe Pereira Absclvit pingens fornicis hujus opus ANNO 1862. Deinde Josephus Augustus Pereira eum abluit et renovavit ANNO 1900 (António José Pereira terminou de pintar o trabalho deste tecto no ano de 1862. Depois, José Augusto Pereira limpou-o e renovou-o no ano de 1900).

As paredes da nave estão revestidas de painéis de azulejos azuis e brancos, representando cenas do quotidiano – expressivas da condição secular dos Terceiros Carmelitas. Os púlpitos são em rica talha dourada com baldaquino e o brasão da Ordem.

Os altares laterais, também em talha dourada, têm retábulos ricamente decorados: do lado direito, o altar de São João da Cruz, com Santo Amaro – imagem da primitiva ermida – e São João Evangelista; e, à esquerda, o altar de Santa Teresa de Jesus com Santa Cristina – também da ermida primitiva -, e imagem recente de Santa Teresinha do Menino Jesus.

No arco cruzeiro, totalmente revestido de esplêndida talha dourada, destacam-se cartelas com simbologia carmelita mariana: M, Estrela e Coroa no frontão; e, nos medalhões laterais, Torre, Sol e Lua. Os altares colaterais são dedicados a Santo Elias – padroeiro da ordem – e a São José – também de especial veneração. Os frontais têm representações da Paixão de Cristo – Cravos, Esponja, Lança e Coroa de Espinhos - em pintura a fresco.

Junto ao arco da capela-mor está colocado o novo altar em mármore do escultor Paulo Neves (2019).

Na capela-mor, octogonal, com magnífico retábulo em talha dourada, atribuído ao mestre João Correia Monteiro (1738), preside a imagem de Nossa Senhora do Carmo sobre trono, com admirável resplendor. No sacrário, totalmente integrado no conjunto, figura a Custódia e, superiormente, o Livro dos Sete Selos. O brasão da Ordem destaca-se pela dupla representação no remate e no frontal do altar. Inumeráveis Anjos valorizam e engrandecem o conjunto.

A esplêndida cúpula, pintada em trompe-l’oeil, de Pascoal José Parente (1765), tem representada simbologia mariana – pomba, palma, espelho, cedro – e, em segundo plano, figuras alegóricas das Virtudes Cardeais – Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança.

Nas paredes laterais encontra-se um conjunto de pinturas, com molduras em notável talha dourada, representando cenas marianas: O Nascimento da Virgem e a Assunção, Apresentação de Nossa Senhora e São Simão Stock recebendo o escapulário do Carmo. Esta incluí legendas com especial significado – Privilegium Sabbatinum (Privilégio Sabatino), Ecce Signum Salutis (Eis o Sinal da Salvação).

Painéis de azulejos com cenas da vida quotidiana completam e dão peculiar harmonia à forma oitavada da capela-mor.

No coro-alto, encontra-se o antigo órgão, possivelmente do organeiro José Maximino (1825), em talha policromada e invulgar chinoiserie em tons rosa e azul.

Na sacristia, destacam-se para além do grande arcaz setecentista, os painéis de azulejo com cenas da iconografia carmelita; o lavabo em pedra e o admirável conjunto de armários encastrados nas paredes revestidas de azulejos.



III . A VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DO CARMO

A Ordem Terceira ou Ordem Carmelita Secular da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo é um dos ramos da Ordem do Carmo.

Em 1452, o Beato João Soreth, Geral da Ordem, promoveu a criação da Ordem Terceira, formalizada em 1476 pelo Papa Sisto IV, permitindo o ingresso de fiéis leigos.

A partir de 1530, a Ordem Terceira desenvolveu-se de modo particular com a divulgação da Bula Sabatina, ligada à devoção do Escapulário do Carmo.

Em Portugal, foi erigida primeiramente em Lisboa por volta de 1600, no Convento do Carmo, irradiando para todo o país e posteriormente para o Brasil.

Em Viseu, a Ordem Terceira do Carmo foi fundada no dia 24 de Maio de 1733, Domingo de Pentecostes, com sede na antiga ermida de Santa Cristina, na presença de Frei João de Santiago, Comissário Geral da Ordem Terceira em Lisboa e Frei Jaime de São Paio, Provincial da Ordem do Carmo de Portugal. Em Viseu, desenvolveu-se de forma extraordinária a partir da igreja construída pela Irmandade, com especial atenção aos necessitados, tendo actualmente uma participação activa na comunidade viseense.

O santoral carmelita inclui e venera de forma particular Nossa Senhora do Monte do Carmo, Santo Elias e Santo Eliseu, São José – como especial protector -, Santa Teresa de Jesus e São João da Cruz – fundadores dos Carmelitas Descalços -, São Simão Stock e, em Portugal, São Nuno de Santa Maria.

O brasão da Ordem do Carmo tem representado o Monte Carmelo e três estrelas – alusivas à Virgem Maria com os profetas Elias e Eliseu -, em castanho e branco – do hábito dos religiosos carmelitas -, com coroa real - alusiva a Nossa Senhora Rainha.


IV . NOSSA SENHORA DO CARMO: CULTO E ICONOGRAFIA

A origem do culto à Virgem do Carmo remonta ao século VIII a. C., quando o profeta Elias se refugiou no Monte Carmelo, em Israel. Neste local, o Profeta, depois de implorar a Deus, viu ao longe no mar uma pequena nuvem, presságio da chuva providencial que salvaria Israel de uma grande seca - prefiguração da intercessão de Nossa Senhora, também invocada como Flor do Carmelo, Estrela do Mar, Esplendor do Céu. Segundo o relato bíblico, Elias foi acordado por um Anjo, que lhe ofereceu pão para continuar o caminho; e finalmente, no Monte Carmelo, foi arrebatado aos céus num carro de fogo, na presença de Eliseu, o novo Profeta.

No antigo Testamento aparece a figura da Rainha Ester implorando pelo povo ao rei Assuero – prefiguração de Nossa Senhora como intercessora, especialmente associada à invocação do Carmo.

Este culto difundiu-se pela Europa através dos carmelitas. Em 1251, São Simão Stock recebeu de Nossa Senhora o Escapulário do Carmo, como promessa e garantia da sua protecção maternal, ao qual se associou também o Privilégio Sabatino.

Nossa Senhora do Carmo é representada com o escapulário e as vestes com as cores do Carmelo – castanho e branco.

Em Portugal é padroeira de forma particular dos militares – tradição que radica no Santo Condestável.

A Festa litúrgica é celebrada a 16 de Julho.

 

REFERÊNCIAS

  • VELASCO BAYÓN, Balbino, História da Ordem do Carmo em Portugal, Lisboa, Paulinas Editora, 2001.
  • ROÇADO, Ana Carla da Costa, António José Pereira: o artista e a obra no quadro da cultura e do turismo em Viseu, Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional das Beiras, Departamento de Letras, 2011, Dissertação de Mestrado.
  • PAULA, Mara Raquel Rodrigues de, Pascoal Parente e a pintura setecentista em Portugal, Coimbra, 2011, Dissertação de Mestrado em História da Arte, Património e Turismo Cultural, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
  • CASTILHO, Liliana, A cidade de Viseu nos Séculos XVII e XVIII Arquitectura e Urbanismo, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2012.

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