Capela de São Sebastião do Lumiar (Lisboa)
Nesta página:
I . História
II . Descrição
III . São Sebastião: história do culto e iconografia
I . HISTÓRIA
A capela de São Sebastião foi construída provavelmente nos inícios do século XVI, no termo da cidade de Lisboa, resultado da piedade dos moradores do lugar, quando em todo o país se popularizava a evocação de São Sebastião contra a peste. Ao redor da pequena ermida, erguida primitivamente num lugar solitário em honra do santo mártir, foram surgindo outras edificações, estando actualmente situada numa zona nobre do Paço do Lumiar.
Na primeira metade do século XVII, realizaram-se obras importantes, como atestam as datas inscritas na fachada exterior e no rodapé do arco cruzeiro. Estas obras realizaram-se com o patrocínio do capitão Estêvão Soares de Albergaria, segundo a lápide sepulcral localizada no corredor central da nave. É desta época o revestimento de azulejos do arco cruzeiro, representando frontais de altar, bem como a colocação da pia de água benta, junto à entrada.
Nas primeiras décadas do século XVIII, houve nova campanha de obras, nomeadamente o revestimento azulejar das paredes laterais da capela-mor.
Após o terramoto de 1755, realizaram-se novas obras de restauro: na fachada principal, foram refeitos o janelão e a empena, e no interior a nova cobertura da nave, em estuque, obras empreendidas possivelmente pelo Pe. António Mamede. No final do século XVIII, foi realizada a pintura do arco triunfal.
Encontrando-se a capela bastante degradada, realizaram-se obras de recuperação entre 1988 e 1997. Foi reconstruído o tecto de madeira na nave e refeito o pavimento primitivo de tijoleira, mantendo o desenho original. No decurso dos trabalhos de restauro, foi também descoberto o primitivo retábulo-mor com embutidos, que estava revestido de talha dourada*. Capela de traça quinhentista, é um dos poucos testemunhos da herança arquitectónica gótica na freguesia do Lumiar.
A capela de São Sebastião encontra-se inserida no Conjunto Classificado do Paço do Lumiar.
*O retábulo de talha encontra-se actualmente exposto no Mosteiro de São Vicente de Fora, na chamada capela dos “Meninos de Palhavã”.
II . DESCRIÇÃO
A pequena ermida de São Sebastião ergue-se no cruzamento de vias de circulação que a rodeiam e lhe dão realce.
Na fachada principal, voltada a ocidente, destaca-se o portal manuelino, o janelão pombalino e a empena no remate.
A fachada posterior termina num elaborado capitel renascentista com um frontão e empena ondulada. Tem também um cruzeiro em azulejo com uma Coroa de espinhos e a inscrição INRI; a cruz eleva-se sobre um monte também em azulejo tendo inscrito ANNO 1628.
A torre sineira, adossada à fachada lateral direita, de secção quadrada, tem a cobertura em terraço com um pequeno campanário.
O interior da capela é uma das mais significativas composições azulejares existentes nos subúrbios de Lisboa.
Na nave, as paredes estão integralmente revestidas de azulejo policromo do século XVII, do tipo tapete. A parte superior integra ao centro o atributo de São Sebastião – feixe de três setas com coroa.
Do lado direito, sob o púlpito, encontra-se uma peculiar composição em azulejo simulando uma porta, com representação de almofadas e ferrolho.
O púlpito tem apainelados, a vermelho e ocre com aplicações em talha dourada. Na parede superior, há um pequeno painel de azulejo com a Pomba do Espírito Santo – representação associada à pregação da Palavra de Deus.
Do lado oposto, encontra-se um painel de São Cristóvão com o Menino – um dos santos também invocados contra a peste -, com a tradicional representação do Santo apoiado no bordão, atravessando um rio, com o Menino assente no ombro esquerdo.
Junto à porta lateral, está uma pia de água benta em calcário vermelho, encastrada na parede, compondo um nicho concheado com inscrição na base AQVA BENEDICTA SIT MIHI SALVS ET VITA (A água benta seja para mim salvação e vida), encimada por IHS (Jesus).
O tecto de madeira foi reconstruído em caixotões, segundo a forma original. No pavimento em tijoleira, no corredor central, encontram-se algumas pedras tumulares, entre as quais a do capitão Estêvão Soares de Albergaria, benfeitor da capela, com inscrição e escudo:
SEPULTURA DO CAPITAÕ ESTEVAÕ SOARES DE ALVERGVARIA CAVALEIRO DA ORDEM DE CRISTO FALESEO EM 11 DE DEZENBRO DE 1641 E DE SVA MOLHER ANNA DE MASEDO DA MAIA E DE SVA MAI MADANELA DA MAIA E SEVS ERDEIROS PELLOS QVAIS SE DIZEM NESTA ERMIDA DE SAÕ SEBASTIAÕ 120 MISSAS CADA ANNO
O arco triunfal tem no remate um painel com a representação da Flagelação de Cristo. O interior está totalmente pintado com putti, albarradas floridas, atlantes, grinaldas…, pinturas do século XVIII.
Ladeando o arco triunfal, a parede que separa a nave da capela-mor encontra-se decorada com composições em azulejo, do final do século XVII, representando estruturas retabulares. Destacam-se os altares e respectivo frontal com o atributo de São Sebastião, na base a inscrição ANNO 1628, e nos nichos São Pedro e São Paulo; na parte superior, painéis com a representação de São Francisco e Santo António, enquadrados por cercadura. Encontra-se também o atributo sebástico na composição dos ângulos de enquadramento do arco.
Uma balaustrada em madeira, torneada em calcário vermelho, separa o arco triunfal da capela-mor.
A capela-mor apresenta o primitivo retábulo, de mármore vermelho, do início do século XVIII, descoberto aquando do restauro realizado na década de 1990. É composto no registo superior por três nichos com rica decoração de embutidos – rosas e acantos -; os laterais com abóbada em concha. O registo inferior é decorado também com painéis de embutidos, tendo o painel central o atributo de São Sebastião. Sobre o altar, de calcário vermelho, encontra-se a imagem do padroeiro.
As paredes encontram-se revestidas com painéis da autoria de P.M.P. (século XVIII) representando cenas da vida de São Sebastião: Prisão de São Sebastião, Martírio de São Sebastião por setas, São Sebastião perante Diocleciano, São Sebastião militar, São Sebastião é açoitado, Santa Irene cura as feridas de São Sebastião; têm cercaduras variadas de pendor escultórico e, na parte inferior, decoração com pássaros, golfinhos, carrancas, concheados… Dois nichos confrontantes com credências de cantaria estão decorados também com azulejo, com albarradas floridas enquadradas por volutas.
Dois painéis monocromos, representando figuras de mulher com cestos na cabeça, completam o conjunto.
No coro-alto, destaca-se a guarda de madeira com base pintada com motivos decorativos barrocos.
No sub-coro, o tecto forma apainelados de madeira, caixotões, decorados com brutescos – rosetões, pérolas e acantos – dispostos simetricamente. As paredes estão revestidas integralmente com painéis de azulejos do século XVII, com desenho semelhante ao da parte inferior das paredes da nave.
Uma pia de água-benta destaca-se à entrada, junto da porta principal. Tem a bacia circular embutida na parede e revestida a azulejo. Está sobre um tronco piramidal com esteio canelado e tem na base a inscrição ANNO 1642.
III . SÃO SEBASTIÃO: HISTÓRIA DO CULTO E ICONOGRAFIA
São Sebastião foi um mártir romano, nascido, segundo a tradição, em Narbona, na Gália, cerca de 250. Educado em Milão, veio para Roma onde entrou para o Corpo da Guarda Pretoriana do imperador Diocleciano.
Sendo descoberto como cristão, foi preso, julgado como traidor e condenado à execução por flechas. Sebastião foi amarrado a uma coluna no centro do Campo de Marte e alvejado por setas por múltiplos arqueiros. Ao ser recolhido por Santa Irene de Roma, viúva do mártir Castulo, na intenção de lhe dar sepultura, verificou-se que se encontrava ainda vivo. Curado das suas feridas, apresentou-se ao Imperador Diocleciano, proclamando a sua fé. Este ordenou que fosse açoitado até à morte.
Morreu em Roma, a 20 de Janeiro de 286, sendo os restos mortais lançados na Cloaca Máxima. O corpo foi resgatado por Santa Lucina que lhe deu sepultura na Via Ápia, na catacumba que actualmente tem o seu nome, e sobre a qual se ergue uma das sete principais igrejas de Roma, junto aos restos dos Apóstolos - sendo por isso considerado terceiro protector da cidade de Roma, logo após São Pedro e São Paulo.
São Sebastião é representado geralmente com as setas do primeiro suplício cravadas no corpo - que se tornaram símbolo constante na sua iconografia - atado a uma coluna ou tronco; tem como atributo a coroa - símbolo do martírio -, além das três setas atadas por um fio.
Em Portugal, o culto a São Sebastião é muito antigo, desenvolvendo-se particularmente durante os séculos XV e XVI, e promovido em especial pelo Rei D. Sebastião.
A erecção de um templo consagrado ao santo mártir na proximidade das povoações é uma antiga tradição portuguesa, associada à sua invocação como protector contra a peste, calamidade que assolava particularmente as vilas e cidades. Esta tradição passou para as terras de colonização portuguesa, particularmente no Brasil.
A festa litúrgica do santo mártir celebra-se a 20 de Janeiro.
REFERÊNCIAS
- SIMÕES, J. M. Santos, Azulejaria em Portugal no Século XVIII, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1979.
- MECO, José, Azulejaria Portuguesa, Lisboa, Bertrand, 1985. Colecção Património Português.
- AZEVEDO, Carlos Moreira, Estudos de Iconografia Cristã, Vila Nova de Gaia, Fundação Manuel Leão, 2016
Adicionar comentário
Comentários