Igreja Paroquial de São Bento, Meda
Nesta página:
I . Terras de Meda
II . História
III . Descrição
IV . O tecto da Capela Mor
V . São Bento de Núrsia: culto e iconografia
I . TERRAS DE MEDA
A cidade de Meda, situada em plena Beira Interior, é herdeira dos valentes medobrigenses, uma das últimas tribos lusitanas resistentes ao avanço romano.
A povoação inicial, embora de escassa importância, foi no entanto vizinha de importantes vilas medievais do padroado dos Templários – a antiquíssima Ermida de Nossa Senhora das Táboas na Meda é deste período – e, mais tarde, da Ordem de Cristo.
Antiga região fronteiriça, estava localizada numa das vias de passagem do percurso português do interior dos Caminhos de Santiago que, passando por Lamego, se dirigia a Chaves, de onde seguia para a Galiza.
A partir do século XIV, viu crescer o número de judeus vindos de Castela, que se estabeleceram com sucesso no comércio da região.
De grande riqueza natural e uma herança cultural valiosíssima, só a partir da segunda metade do século XIX se define como principal cidade do concelho.
A igreja paroquial de São Bento da Meda é sede de arciprestado, um dos catorze que constituem a diocese de Lamego à qual pertence.
II . HISTÓRIA
A igreja matriz de Meda remonta a um eremitério beneditino, estabelecido nos começos do século XII, a partir do qual se desenvolveu a actual cidade.
A primeira igreja construída, de traça românica e dedicada a São Bento, está na origem do actual templo. Por volta de 1145 era pertença da Ordem dos Templários e, por extinção desta, transitou em 1320 para a Ordem de Cristo.
D. Manuel, 11º Mestre da Ordem de Cristo e futuro rei de Portugal, contribuiu de modo particular para o melhoramento da igreja. A Visitação realizada em 1507, sendo Garcia de Mello, Comendador, referia que tem a oussia as paredes de alvenaria de pedra e barro caseladas de dentro e bem pintadas a fresco olivelada em painéis de madeira de castanho e pintada. Os Visitadores, entre outras indicações, ordenaram fazer um tabuleiro à pia de baptizar e degraus à porta principal bem feitos de pedra lavrada (1).
São de 1561 os primeiros registos de baptismo e óbito, e do ano seguinte o primeiro assento de casamento.
No século XVII foi erigido o actual templo sobre a antiga igreja românica. Teve obras de remodelação e enriquecimento no século XVIII, com a feitura dos retábulos do altar-mor e dos altares colaterais.
Com a extinção das ordens religiosas pelo decreto de 1834, o templo passou para o Estado.
As perturbações causadas pela implantação da República tiveram também os seus efeitos em terras da Meda.
Em 1911, a Lei de Separação do Estado das Igrejas, fez reverter todos os bens da igreja paroquial de São Bento para a posse do Estado, acto realizado sem a concordância do pároco - Padre Álvaro Gomes dos Santos -, segundo o relatório final do arrolamento de bens: Aos nove dias do mez de Dezembro de mil novecentos e onze, nesta villa e freguesia de Meda e no edifício da igreja paroquial de São Bento, onde compareceram o cidadão Claudino Augusto Soares, administrador deste concelho, na qualidade de vice-presidente da Câmara Municipal, e o cidadão José do Nascimento da Cruz, membro da Junta de paroquia desta freguesia (…) e na presença do reverendo pároco Álvaro Gomes dos Santos, o qual ao principiar-se este auto pediu licença ao dito administrador para apresentar um protesto contra o arrolamento a que vai proceder-se, licença que lhe foi negada pelo mesmo administrador (…), em vista do que o reverendo pároco se retirou do edifício; e assim principiámos o arrolamento e inventário (…) (2)
Na década de 40, o templo foi novamente entregue à Igreja Católica.
Nos finais do século XX, procedeu-se a uma série de obras de melhoramento. No início do século XXI, foi realizado o restauro do retábulo, do tecto de caixotões da capela-mor, e da notável pintura mural de um dos altares colaterais.
III . DESCRIÇÃO
A igreja matriz da Meda está situada em pleno centro histórico da cidade, num largo em ligeiro declive, e onde se ergue também o pelourinho manuelino.
A igreja, em granito, foi construída à maneira das igrejas quinhentistas da Ordem de Cristo.
Destaca-se no exterior o característico campanário de dupla sineira e o amplo portal de dupla arquivolta, onde ainda se distinguem alguns silhares originais.
Adossado à fachada posterior, encontra-se um chafariz datado de 1896.
O templo tem a particularidade de se aceder ao interior por escadas descendentes em acentuado declive.
A igreja é bem iluminada, com três naves de cinco tramos, divididos por colunas, capela-mor mais estreita e sacristia no lado esquerdo.
À entrada, encontra-se a antiga pia baptismal, em granito, assente em plinto torso. Tem a particularidade de ter inscrita a Cruz da Ordem de São Bento de Avis - o que remete para os inícios da nacionalidade. Na parede, encontra-se um nicho com imagem de São João Baptista, do século XVII.
Na nave do lado esquerdo, encontra-se a Capela de Santo António, referida como tendo sido capela particular do capitão-mor da guarda, Francisco Corrêa de Lacerda (3). Tem estrutura também em granito, retábulo de talha e ainda vestígios de pintura mural; a escultura de Santo António é em madeira policromada, do século XVII.
Do lado direito da nave, a Capela de São Miguel, do início do século XVII, tem retábulo de moldura em cantaria e estrutura em talha policromada. Na parte superior está representada Nossa Senhora da Misericórdia – possivelmente a primitiva invocação - com amplo manto a proteger duas figuras ajoelhadas e, ao centro, São João Baptista - com legenda ECCE AGNVS DEI – ECCE [QVI TOLLIS PECCATA MUNDI] - e São Tiago, provável referência ao Caminho de Santiago da Beira interior. Na predela, tem imagens de São Pedro e São Paulo ladeando a inscrição com a consagração eucarística: HOC EST ENIM CORPVS MEV[M] HIC EST ENIM CALIX SANGVINIS MEI NOVI ET ETERNI TESTAMENTI MYSTERIVM FIDEI QVI PROVOBIS ET PRO MVLTIS EFVNDETVR IN REMISSIONEM PECCATORVM. [Mateus, 26, 26].
Este altar foi referido também, no século XVIII, como capela particular de António Luís Saraiva, assistente em Lisboa (3) na descrição de D. Joaquim de Azevedo. Preside a imagem de São Miguel, em madeira policromada do século XVIII.
A meio da nave encontra-se o notável púlpito, em granito, coevo da capela de São Miguel. Tem planta poligonal, com anel cordiforme na base e está adossado a uma das colunas, em piso inferior ao pavimento actual.
O amplo arco triunfal, de pedra, tem pilastras com dupla moldura, totalmente revestidas com admirável pintura mural, do século XVIII, aplicada directamente sobre a pedra, em tons de azul, vermelho e dourado.
Nas capelas colaterais, encontram-se retábulos em talha dourada do século XVIII.
O altar do Sagrado Coração de Jesus tem na cartela as iniciais IHS – Jesus - referência à sua antiga invocação do Santo Nome de Jesus. Foi descoberta recentemente a antiga pintura mural com representação de Cristo Salvador do Mundo com legenda: IHS - SVM VIA VERITAS ET VITA (Jesus - Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida).
O actual altar de Nossa Senhora de Fátima foi anteriormente dedicado a Nossa Senhora do Rosário; encontra-se uma notável imagem do Menino Jesus, do século XVI, uma das mais antigas da igreja, das oficinas flamengas de Malines.
Duas imagens, São Pedro - do século XVIII - e São Sebastião, ladeiam as capelas colaterais.
À entrada da capela-mor encontra-se um crucifixo, do século XVIII que, pelo seu naturalismo, mostra, segundo alguns autores, influência da oficina castelhana de Gregorio Fernández (c. 1576-1636).
Na capela-mor, o admirável retábulo, em talha dourada, do século XVIII - à excepção do sacrário, do século XIX - tem ao centro ampla tribuna em arco de volta perfeita com trono eucarístico. Está ladeada pela imagem de São Bento, orago principal da paróquia, escultura do século XVI, muito antiga, mandada fazer pelo comendador Garcia de Mello; o santo está representado como jovem monge, com hábito beneditino, o báculo na mão direita e o Livro da Regra na esquerda, e a mitra abacial aos pés; e, à direita, uma imagem peculiar de São José, padroeiro secundário da paróquia, do século XVIII, em madeira policroma.
A notável cobertura da capela-mor em caixotões, de temática hagiográfica, é possivelmente do mestre Isidoro Faria (século XVIII).
Duas telas laterais, bandeiras de antigas Irmandades, representam A Descida da Cruz e O Arcanjo São Miguel.
Na sacristia, contígua à capela-mor, encontra-se o grande arcaz da Irmandade do Santíssimo Sacramento, com inscrição e data - Hé para os Ornatos da Confraria do Santíssimo Ano 1784» - destinado à paramentaria.
De destacar dois brasões de granito, com motivos cruciformes, na parede, possivelmente do primitivo eremitério beneditino do século XII, um lavabo seiscentista em cantaria, e um raro lampadário judaico em cobre.
IV . O TECTO DA CAPELA-MOR
A capela-mor da igreja da Meda tem o tecto em abóbada de berço totalmente coberto por um conjunto de trinta e cinco caixotões pintados, em madeira de castanho, com moldura de talha dourada. De temática hagiográfica, tem ao centro Cristo Salvador, rodeado pelas imagens de Nossa Senhora – da Conceição e da Assunção – e dos Apóstolos; nas fiadas externas encontram-se representações de mártires, santos fundadores de ordens religiosas, santos portugueses e outros de culto arraigado na piedade popular.
Os apainelados em caixotões para coberturas de naves e capelas ganharam crescente expressão em Portugal a partir do século XVII. O ciclo da igreja de Meda, realizado na segunda metade do século XVIII, possivelmente da autoria de Isidoro de Faria, pintor natural de Trancoso, tem uma temática recorrente no distrito, muito semelhante ao de outras igrejas da região.
V . SÃO BENTO DE NÚRSIA: CULTO E ICONOGRAFIA
São Bento nasceu em 480, em Núrsia na Itália central; era filho de um nobre romano e recebeu uma educação profundamente cristã. Aos 20 anos, foi para Roma estudar retórica e filosofia; desagradado com a vida dissoluta que encontra, abandonou a cidade e estabeleceu-se em Afide. Em 504, partiu para Subiaco; decidindo levar uma vida de eremita, viveu durante três anos numa caverna, dedicado à oração e à penitência. A sua fama de santidade atraiu numerosos visitantes.
Em 512, fundou doze mosteiros, dispersos pelo vale de Anio, perto de Subiaco e, em 528, o grande mosteiro de Montecassino, que viria a ser o fundamento da expansão da Ordem Beneditina, e onde, possivelmente em 541, escreveu a célebre Regra - Regula Monachorum. Morreu em 547, sendo sepultado em Montecassino.
A vida de São Bento foi redigida por São Gregório Magno em 592, quando as recordações do santo fundador ainda estavam muito vivas na memória do povo. O II Livro dos Diálogos de São Gregório é a principal fonte de informação sobre a vida do santo patriarca.
Considerado o fundador do monaquismo ocidental, São Bento exerceu, com a sua vida e a sua obra, uma influência fundamental no desenvolvimento da civilização e da cultura europeias. Em 1964, foi proclamado Padroeiro da Europa pelo Papa Paulo VI.
São Bento é representado, quer como jovem monge, quer como abade venerável, envergando o hábito negro da Ordem, por vezes a mitra, e tendo na mão a Regra e o báculo, como na igreja matriz de Meda.
Em Portugal, a história do seu culto remonta aos alvores da nacionalidade, por acção dos monges beneditinos que promoviam a sua intercessão entre as gentes dos coutos dos seus mosteiros e das terras foreiras, associada ao cultivo das terras. Santo padroeiro de várias freguesias, a sua devoção tomou um cunho fortemente popular, materializado em procissões, peregrinações e romarias.
Em Meda, estabeleceu-se no século XII, um eremitério beneditino que está na origem da igreja paroquial de São Bento.
A festa litúrgica de São Bento, Padroeiro da Europa, celebra-se a 11 de Julho.
- DIAS, Pedro, Visitações da Ordem de Cristo de 1507 a 1510, Coimbra, 1979, in RODRIGUES, Adriano Vasco, Terras da Meda - natureza, cultura e património, 2.ª ed. Meda, Câmara Municipal, 2002, pp. 189-192
- https://purl.sgmf.gov.pt/139034/1/139034_master/139034_PDF/139034.pdf
- AZEVEDO, D. Joaquim de, História Ecclesiástica da Cidade e Bispado de Lamego, Porto, Typ. Do Jornal do Porto, 1877, p. 174
REFERÊNCIAS
- ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja em Portugal, Porto, Portucalense Editora, 1967-1971.
- DIAS, Geraldo J. A. Coelho, Hagiografia e Iconografia Beneditinas, OSB/FLUP, Via Spiritus: Revista de História da Espiritualidade e do Sentimento Religioso Vol. 3, 1996, pp. 7-24
- RODRIGUES, Adriano Vasco, Terras da Meda - natureza, cultura e património, 2.ª ed., Meda, Câmara Municipal, 2002
FOTOGRAFIA
- PEDRO DANIEL
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