Igreja e Convento de Nossa Senhora da Graça, Lisboa


Nesta página: 

I . História

II . Descrição da igreja

III . Os painéis de azulejo da antiga Sala do Capítulo

IV . Os governadores da Índia na igreja da Graça

V . A Ordem de Santo Agostinho

VI . Nossa Senhora da Graça: história do culto e iconografia.

VII . O Senhor dos Passos das Graça

 

I . HISTÓRIA

O convento de Nossa Senhora da Graça de Lisboa foi casa principal da Ordem dos Agostinhos portugueses. De grande prestígio na cidade e em todo o país, aqui se formou e daqui partiu para as terras de missão, nomeadamente o Oriente, um grande número de religiosos, muitos deles notáveis pela sua santidade ou pela sua cultura.

A sua origem remonta à conquista de Lisboa aos mouros, em 1147, quando alguns eremitas agostinhos fundaram um modesto eremitério nas Olarias – eremitério de São Gens -, então lugar isolado, junto a uma ermida já existente com esta invocação.

Em 1243, D. Susana, senhora piedosa proprietária do sítio, cedeu-lhes terreno para a construção de um novo convento, no alto do Monte de São Gens e sob invocação de Santo Agostinho – onde actualmente se encontra a ermida de Nossa Senhora do Monte.

Tendo constatado que o novo lugar era bastante incómodo – exposto aos ventos e distante da cidade - os eremitas iniciaram em 1271, num monte vizinho, a construção de um terceiro convento também dedicado a Santo Agostinho, no sítio de Almofala.

Em 1305, por disposição de Frei Francisco do Monte Rubiano, Geral da Ordem dos Agostinhos, o mosteiro foi consagrado a Nossa Senhora da Graça.

A igreja e o convento foram reedificados em 1556 por iniciativa do Vigário Geral, Frei Luís de Montoya (1497-1569). Constituíam um dos mais belos e ricos conjuntos do país; do retábulo, preciosa obra de arte, fazia parte o célebre cofre-sacrário que o Rei de Ormuz oferecera ao Arcebispo de Goa, D. Frei Aleixo de Menezes.

Em meados do século XVIII, o convento e a igreja foram alvo de uma campanha de obras, incluindo a fábrica barroca da sacristia e a actual torre sineira, na qual participaram Custódio Vieira (c. 1690- c. 1744), Manuel Negreiros (1701 - 1750) e Mateus Vicente de Oliveira (1706-1785).

O terramoto de 1755 teve um efeito devastador em todo o edifício, provocando a sua derrocada parcial; restaram apenas algumas salas abobadadas, a torre sineira e parte da fachada conventual. A igreja começou a ser reconstruída em 1765, sendo as obras dirigidas por Caetano Tomás de Sousa (1700-1766) e Manuel Caetano de Sousa (1742-1802), possivelmente com a participação de Mateus Vicente.

Em 1834, com a extinção das ordens religiosas, o convento foi suprimido e ocupado pelos militares; a igreja, a sacristia e a sala do capítulo foram entregues à Irmandade do Senhor dos Passos. Em 1835, o templo passou a igreja paroquial, anexando as paróquias extintas de Santo André e Santa Marinha.

Entre 1895 e 1905, concluiu-se a edificação da igreja segundo o plano original de Caetano de Sousa, e reabriu solenemente a 18 de Julho de 1905.

Em 1939, o convento da Graça foi classificado como Monumento Nacional.

No segundo quartel do século XX e no início do século XXI foram feitas importantes obras de restauro, nomeadamente no antigo convento.


II . DESCRIÇÃO DA IGREJA

A igreja de Nossa Senhora da Graça, edificada num dos mais deslumbrantes miradouros de Lisboa, constitui, juntamente com o convento, um magnífico conjunto monumental dominando a cidade e o Tejo. Está orientada a poente, com as antigas dependências conventuais adossadas a Norte.

Na fachada principal da igreja (1) destaca-se a representação de Santo Agostinho, num baixo-relevo, encimado por nicho que anteriormente albergava uma imagem de Nossa Senhora da Graça.

Contígua à igreja, do lado esquerdo, está a fachada da portaria do antigo convento da primeira reedificação.

A torre sineira (2), edificada sobre a portaria, é ainda uma construção do século XVIII, anterior ao terramoto, obra de Manuel da Costa Negreiros.

O interior da igreja é amplo e bem iluminado, de tecto em abóbada com cartelas ilustrando as cinco primeiras invocações da Ave-Maria, e, no coro, as insígnias de Santo Agostinho, pintura de João Vaz (1859-1931) e Eloi do Amaral (1839-1927).

À esquerda, duas capelas particulares primitivas (3) constituem tudo o que resta da edificação anterior a 1556. À entrada, encontra-se a arca tumular brasonada, de Gonçalo Lourenço Gomides, bisavô de Afonso de Albuquerque, com inscrição na testeira da arca. Enquadrados por um arcossólio manuelino, estão os túmulos de Rui Gomes de Alvarenga e sua mulher D. Melícia de Melo, pais de Lopo Soares de Albergaria, com brasão e lápide epigrafada e, na parede, uma inscrição alusiva à instituição da capela.

ESTA CAPELA FEZ LOPO SOARES PARA DONA JOANA DE ALBUQUERQUE SUA MULHER ONDE AMBOS JAZEM ENTERRADOS E PARA TODOS SEUS HERDEIROS PARA A QUAL CAPELA DEIXAM UMA MISSA QUOTIDIANA NESTE MOSTEIRO COM DEZ MIL REIS DE RENDA.

Encontra-se também a pedra tumular de D. Pedro de Noronha, Marquês de Angeja, com extensa inscrição. No fecho do arco de entrada da segunda capela encontra-se a pedra de armas de Lopo Soares, instituidor da capela, bem como no fecho da abóbada manuelina. Destaca-se ainda o admirável lavabo da sacristia com embutidos em mármore.

A nave está dividida em cinco tramos, e percorrida por uma teia circundante com guarda de madeira balaustrada.

Tem quatro capelas laterais (4) de cada lado da nave, em talha dourada e policromada, com oragos de temática agostiniana.

À esquerda, a capela de Nossa Senhora do Rosário ou dos Pretos Cativos teve especial devoção na época da missionação no oriente; aí se encontram as imagens de Santa Efigénia, São Elesbão, Santo António de Notto e São Benedito, e dos arcanjos São Rafael e São Miguel; a capela do Calvário onde se encontra o crucifixo do Devotíssimo Senhor Jesus do Penedo, uma das poucas relíquias da demolida igreja de São Tomé; a capela do Sagrado Coração de Jesus e do Santíssimo Sacramento, esta com decoração alusiva à Eucaristia, com representação de um Agnus Dei nas grades de bronze dourado.

Do lado direito, encontram-se as capelas de São Tomás de Vila Nova e de São Gonçalo de Lagos, esta tendo no frontão a representação de uma caravela, alusiva ao orago.

A capela de Santa Rita de Cássia corresponde à antiga invocação do Arcanjo São Rafael, ainda com vestígios do século XVI: um ciclo de baixos-relevos revestindo os flancos com cenas do Antigo Testamento do escultor Gonçalo Rodrigues (c. 1600) e duas pinturas alusivas à História de Tobias e do Arcanjo São Rafael, atribuídas à oficina de Diogo Teixeira (c. 1540 - 1612). Na cobertura seis pinturas sobre madeira, representando Alegorias Virtuosas, da oficina de Francisco Venegas (c. 1525 - 1594). O retábulo com representação da Morte de Santa Rita é de época posterior.

A última capela é dedicada a Nossa Senhora da Conceição, um conjunto harmonioso em talha dourada e decorada com simbologia mariana.

O cruzeiro (5) tem no tecto o emblema dos Agostinhos, pintura sobre estuque de Pereira Júnior (1841-1921).

Entre as várias capelas e altares, destaca-se a de Nossa Senhora da Graça, orago do convento, decorada com símbolos marianos, incluindo a Coroação da Virgem pela Santíssima Trindade no tecto; encontra-se, na base do altar, uma imagem de Cristo morto; a capela de Nossa Senhora da Pérsia, com história peculiar ligada à missionação no Oriente; e o altar de Nossa Senhora da Consolação da Correia, devoção de particular importância nos conventos Agostinhos.

Numa dependência à esquerda, encontra-se a sepultura do célebre teólogo Diogo Paiva de Andrade (1528-1575), com brasão e lápide sepulcral na parede.

Do lado direito, encontra-se a antiga capela do Senhor dos Passos e a capela de Santo Agostinho e São Marçal e lateralmente, os altares de Nossa Senhora da Eucaristia e de Santa Teresinha, este com a particularidade da imagem ter o brasão português na base – segundo consta, corresponde à primeira escultura portuguesa desta invocação.

Um vitral, datado de 1927, representa o Encontro de Jesus com Sua Mãe a caminho do Calvário.

A capela-mor (6), reedificada após o terramoto, está preenchida com temática agostiniana.

O retábulo tem no frontão, o Santíssimo Salvador, ladeado pelos atributos agostinianos – o ceptro e a mitra. Na base foi colocada a imagem de Nossa Senhora da Graça que se encontrava anteriormente no nicho exterior da fachada principal da igreja.

No espaldar, destacam-se quatro baixos-relevos com temática agostiniana – Chama, Martelo, Coluna, Coração inflamado.

O tecto tem representado A visão da Santíssima Trindade por Santo Agostinho e os quatro evangelistas, da autoria de Pedro Alexandrino (1729-1810).

Nas paredes laterais encontram-se doze telas, também de Pedro Alexandrino, com passos da vida de Santo Agostinho.

Destacam-se dois notáveis órgãos de tubos, do século XVIII, de Joaquim Peres Fontanes (1750 – 1818), com amplos coretos e enormes tribunas que preenchem grande parte das paredes laterais.

Encontram-se também as imagens de Santa Marinha e de Santo André – provenientes das antigas paróquias - e dois admiráveis anjos tocheiros.

Atrás do altar-mor, encontra-se a tampa de sepultura epigrafada de D. António Botado:

AQUI JAZ DOM FREI ANTÓNIO BOTADO BISPO DE HIPONA FILHO DESTA RELIGIÃO E SEU INSIGNE BENFEITOR. FALECEU EM 27 DE JUNHO DE 1715.

Existem ainda duas capelas primitivas (7), anteriores ao terramoto, ao fundo por trás do altar-mor: a de Luís de Póvoas com o retábulo com vestígios de ébano, marfim e madrepérola, e as arcas tumulares do instituidor e sua família, segundo a inscrição das mesmas. Na segunda capela, encontram-se três arcas tumulares do século XIV, vindas da antiga paroquial de Santo André, bem como duas lápides epigrafadas relativas à instituição de capelas na mesma igreja.

No percurso para a sacristia encontra-se a capela de Santa Ana (8) com admiráveis embutidos de mármores de várias tonalidades a revestir as paredes. No centro, encontra-se o altar do Senhor Jesus de Frei Luís de Montoya, colocado posteriormente, tendo a urna uma inscrição referente ao grande reformador; e sobre a porta, há também uma lápide epigrafada da primitiva instituidora da capela D. Ana Almeida.

A ante-sacristia (9), coeva das obras quinhentistas, alterada nos séculos XVII e XVIII, também está revestida a azulejo policromo, numa das mais originais criações portuguesas, provavelmente das oficinas de Lisboa.

Destacam-se dois altares com belíssimos frontais de azulejo, ladeados por figuras alegóricas: a Misericórdia e a ; a Esperança e a Justiça.

Em dois vãos confrontantes, encontram-se duas lápides funerárias correspondentes aos túmulos de D. Jerónimo Fernando, bispo do Funchal (m. 1650) e de D. Pedro Pueiros (m. 1649), aio do príncipe D. Teodósio.

Um magnífico pórtico barroco, de acesso à sacristia, provavelmente de João Antunes (1643-1712), com embutidos de várias tonalidades, ostenta a pedra de armas do seu instituidor, D. Mendo de Fóios. Todo o conjunto é envolvido por azulejos policromos, realçando as figuras alegóricas da Magnificência e da Liberalidade.

No pavimento, encontram-se outras lápides sepulcrais, nomeadamente do ilustre teólogo D. Frei Joaquim Forjaz Pereira Coutinho (1712 – 1798).

No acesso à escadaria conventual, encontram-se notáveis composições azulejares do século XVI, sendo possivelmente tudo o que resta da antiga azulejaria. Estão assinadas por João de Gois (c. 1570).

A sacristia (10), antiga Capela das Relíquias, grandiosa construção barroca da primeira metade do século XVIII, foi instituída por D. Mendo Fóios Pereira (1643-1708).

Destaca-se do lado sul, um retábulo-relicário de grandes dimensões e de grande nomeada, e entalhado de forma a conter uma preciosa cruz de prata dourada e pedrarias proveniente de Goa, doada ao convento por D. Frei Aleixo de Menezes. Subsistem onze bustos-relicários, oito deles ainda colocados nas respectivas vitrinas, conservando-se os restantes três bustos nas colecções do Patriarcado de Lisboa. São obra do escultor Claude Laprade (1675 – 1738).

O túmulo de D. Mendo Fóios, mausoléu de mármore com grupo escultórico alegórico está no lado oposto; posteriormente foi colocado junto ao túmulo um busto de Santo Agostinho, em pedra de Ançã.

No tecto, uma pintura em perspectiva, de grandes dimensões, de Pedro Alexandrino, representa a Assunção de Nossa Senhora rodeada por vários símbolos de temática agostiniana, e, nas extremidades, os retratos dos doadores, D. Mendo de Fóios Pereira e seu irmão Frei António Botado.

Nas paredes, vários painéis de azulejo representam cenas da vida da Virgem com símbolos associados: O Nascimento e sol; A Apresentação no Templo e porta; Os Esponsais e lua; A Anunciação e espelho; A Visitação e torre; A Adoração dos Pastores e poço; A Adoração dos Magos e estrela. Estão datados de 1780 e atribuídos a Francisco Jorge da Costa (1749 - 1829).

Encontram-se ainda numerosas pinturas, algumas referentes a Santo Agostinho e outros de temas diversos, entre as quais uma Anunciação atribuída a Giulio Cesare Di Temine (1660 – 1734); e amplos arcazes de madeira do Brasil, com aplicações em bronze e com a águia bicéfala Agostiniana.

No piso superior, no átrio de acesso ao convento e ao coro-alto, encontram-se vários espaços também com decoração azulejar.

A ante-sala do antigo dormitório (12), no topo da escadaria, está revestida de grandes painéis de azulejo do século XVIII, com Passos da Paixão: Jesus no Horto das Oliveiras, O beijo de Judas, A Flagelação, A Coroação de Espinhos, Cristo perante Pilatos, Prisão de Cristo, Jesus com a Cruz às costas, Cristo na primeira Queda. Uma oração inscrita nos azulejos completa o conjunto.

Na antiga capela do ante-coro (13) estão representadas cenas da vida de Santo Agostinho: Santo Agostinho lava os pés a Cristo, Santo Agostinho na praia e o mistério da Santíssima Trindade, Morte de Santo Agostinho, Enterro de Santo Agostinho.

Também as tribunas da igreja, têm painéis de azulejo com temática agostiniana.

Encontram-se na parede lateral dois nichos com pequenas urnas, possivelmente de D. Afonso Nordim, filho do Guazil-mor de Ormuz e de sua irmã D. Filipa Morada, doadores desta capela em 1602. Sobre a porta de acesso encontram-se as armas – cruz armoriada sobre leão -, provavelmente também de D. Afonso Nordim.

A ante-sala do coro (14) é também revestida a azulejo historiado, igualmente de temática agostiniana: Conversão de Santo Agostinho, Santo Agostinho apresenta a regra aos Eremitas, Santo Agostinho aparece ao Duque de Mântua.

No coro alto (15), destaca-se o órgão executado por Augusto Joaquim Claro (1865 – 1917) e inaugurado em 1907.

A Portaria (16) dá acesso ao antigo convento, com um átrio revestido de azulejos historiados de temática agostiniana. A porta de acesso tem na parte superior insígnias da Ordem – águia bicéfala, livro e coração.

Este espaço é uma peça arquitectónica de grande qualidade, restaurada recentemente. Destaca-se o notável pavimento com mármores de várias tonalidades e o retábulo no topo Sul, com a representação de Santo Agostinho calcando a Heresia, cópia do original de Vieira Lusitano (1699 - 1783) que se encontra actualmente no Museu de Arte Antiga.

Refere-se ainda o belíssimo claustro nobre (17), do século XVII, classificado como monumento nacional; a antiga Sala do Capítulo (18) com admirável decoração azulejar; e o mirante (19) com composições de azulejo com cenas profanas e representações de Santos e reformadores da Ordem.



III . OS PAINÉIS DE AZULEJO A ANTIGA SALA DO CAPÍTULO

A grandiosa actividade missionária dos agostinhos portugueses no continente e em terras de além-mar, a partir do século XVI está retratada nos notáveis painéis de azulejo que revestem a antiga Sala do Capítulo, possivelmente de Valentim de Almeida (1692 - 1779).

À entrada, no pilar central, figuram D. Frei Agostinho de Castro e D. Frei Aleixo de Menezes, os dois notáveis arcebispos Agostinhos da época da missionação; no fundo da sala, dois grandes painéis referem-se à missionação na Pérsia por Frei Diogo de Santana – desconhecendo-se actualmente o seu paradeiro -, e no Congo por Frei Pedro da Graça.

Do lado direito da sala, estão representados: Frei João Estaço, o grande evangelizador dos índios de Guaxaca no México; Frei Nicolau de Melo e seus companheiros martirizados em Astracã e Frei Manuel de Nazaré em Zanzibar; Frei António de Elvas e Frei Inocêncio de Barcelos também mártires em França; Frei Guilherme de Santo Agostinho, decapitado na Arménia; e em último lugar Frei Álvaro de Lisboa, humilde religioso deste convento da Graça.

Do lado esquerdo, estão representações do martírio de várias figuras ligadas à evangelização agostiniana: Frei Gaspar de Lisboa e Frei Atanásio de Arronches, na missão de Mina; Frei Luís de Orta em Mascate; Rainha Gativanda – Santa Ketevan da Igreja Ortodoxa da Geórgia - em Xiraz na Pérsia; Frei António da Natividade e seus companheiros em Mombaça.

Na face interna dos pilares centrais figuram Frei João da Cruz de Goa e, em contraposição, Frei Aleixo de Penafirme, humilde frade daquele convento.

Dois grandes painéis ao fundo da sala, representando a vida de Frei João de Estremoz, venerável religioso do Hospital das Caldas da Rainha, completam esta magnífica série de painéis de azulejo.



IV . OS GOVERNADORES DA ÍNDIA NA IGREJA DA GRAÇA

O Convento da Graça está particularmente associado à presença portuguesa no oriente, tendo aqui sido sepultados vários Governadores da Índia.

Afonso de Albuquerque (1453-1515), o mais notável, segundo Governador, instituiu em 1506 uma capela na igreja da Graça onde já se encontravam sepultados seu pai (Gonçalo de Albuquerque) e seu bisavô (Gonçalo Lourenço Gomides). Por sua morte em Goa, os seus restos mortais foram solenemente trasladados para a capela-mor do Convento da Graça em 1566. Em 1637, os religiosos gracianos cederam o padroado da capela a D. Diogo de Menezes. Demolições feitas na antiga Sala do Capítulo do convento, em 1900, puseram a descoberto a arca tumular dos Gomides, que foi então transferida para a capela, à entrada, onde ainda se encontra.

Lopo Soares de Albergaria (1452-1520), terceiro Governador da Índia, instituiu igualmente capela no mosteiro, inicialmente de invocação de São Fulgêncio, onde já estavam sepultados seus pais Rui Gomes de Alvarenga e D. Melícia de Melo.

D. Henrique de Menezes (1496-1526), sétimo governador da Índia, viria a ter sepultura na capela-mor, conseguida para o efeito por seu neto o conde da Ericeira D. Diogo de Menezes, perdendo-se, segundo alguns autores, durante o terramoto de 1755.

Igualmente sepultado na igreja da Graça, em jazigo desconhecido, está André Furtado de Mendonça (1558-1611), também Governador da Índia e um dos seus mais destacados capitães.


V . A ORDEM DE SANTO AGOSTINHO

    Os eremitas de Santo Agostinho têm origem na vida monástica comunitária introduzida por Santo Agostinho (354-430) no Norte de África. Na Europa, muitas congregações e irmandades religiosas adoptaram a regra do grande Santo. Em 1256, na Grande União, foram reunidas numa única ordem Ordo Eremitarum Sancti Augustini (OESA).

    No século XVI, começou a grande missionação dos agostinhos em terras de além-mar, África, América e confins da Ásia.

    No século XVIII, a Ordem passou por algumas dificuldades, na sequência do movimento protestante, sendo suprimidos inúmeros conventos agostinianos em toda a Europa. A partir do século XX, verificou-se um desenvolvimento consistente da Ordem, que conta actualmente com numerosas províncias e milhares de religiosos dispersos por todo o mundo.

    Em Portugal, houve possivelmente congregações inspiradas na regra de Santo Agostinho antes da unificação da Ordem.

    No século XII, foi edificado o pequeno convento de São Gens em Lisboa, origem do Convento de Nossa Senhora da Graça. Em 1256, aquando da Grande União, os conventos agostinianos portugueses entretanto fundados ficaram sujeitos à província de Espanha e Portugal, mas em 1387 foi criado o vicariato provincial, independente, constituindo o Convento de Nossa Senhora da Graça em Lisboa a casa provincial, motivo pelo qual os religiosos agostinhos são vulgarmente também chamados Gracianos.

    A reforma da Ordem em Portugal começou em 1535, com Frei Francisco de Villafranca e Frei Luis de Montoya vindos de Castela. Segundo alguns autores, este foi o período de esplendor da Ordem, com a fundação de numerosos conventos em Portugal e nas terras de missionação. Em 1572 embarcaram os primeiros missionários para a Índia, atingindo terras tão longínquas como a Pérsia, a Geórgia, o Paquistão, a Rússia, além das terras do Congo e Mina e da costa oriental de África. Foi criada a Congregação da Índia Oriental dos Eremitas de Santo Agostinho que prosperou até meados do século XVIII.

    Após a extinção das ordens religiosas em 1834, a Ordem só foi restaurada no final do século XX, a partir de Espanha, sendo ordenado em 2010, o primeiro padre Agostinho português.

    A Ordem Agostiniana conta com grandes santos e numerosos mártires, e uma importante actividade desenvolvida no campo do ensino e da cultura, através de prestigiosos colégios e grandes bibliotecas.

    Os religiosos vestem hábito negro com o característico cinto, também negro. Aos Agostinhos estão associadas práticas devocionais muito antigas, como a veneração à Santíssima Virgem sob o título de Nossa Senhora da Consolação da Correia, e a Santo Agostinho e a sua mãe Santa Mónica.

    A Ordem, actualmente chamada de Ordem de Santo Agostinho (OSA), tem no escudo os símbolos do grande santo: um coração em chamas (expressão do amor de Agostinho a Deus), uma seta (expressão do amor de Deus) e um livro aberto (representando a Palavra de Deus).


    VI . NOSSA SENHORA DA GRAÇA: HISTÓRIA E ICONOGRAFIA

      Senhora da Graça é um título muito antigo na devoção agostiniana. No início do século XIV, por indicação do Geral da Ordem, Frei Francisco do Monte Rubiano, os mosteiros passaram a ter esta invocação na sequência de um voto por ele feito em Roma em agradecimento à Mãe de Deus.

      Em Portugal, uma pequena imagem de Nossa Senhora com o Menino foi encontrada presa nas redes de pescadores em Cascais, no dia 14 de Agosto de 1362.

      No anno de 1362, em o Reynado de El Rey Dom Pedro I de Portugal, ou alguns annos antes deste, segundo se collige de alguns Autores, lançarão certos pescadores da Villa de Cascaes, (situada cinco legoas de Lisboa rio abaixo para a parte do Occidente) suas redes ao mar, em a Vigília da Assumpção de nossa Senhora, com animo de lhe offe recer tudo o que recolhessem naquelle lanço (…). Foraõ tam bem afortunados em o lanço, que ao levantar das redes as achárão não só cheias de toda a variedade de peixes; mas preza pela parte de fora em hua malha, hua fermosa Imagem daquella Senhora (1). Era uma Imagem de escultura, & estofada com um precioso Filho Menino que trazia em os braços. Foi transportada processionalmente para o Mosteiro dos seus frades em Lisboa.

      A devoção a Nossa Senhora da Graça do convento agostiniano cresceu entre o povo e a família real portuguesa. Segundo a tradição está ligada de forma particular à vitória de Aljubarrota, em 1385, tendo-se iniciado no ano seguinte o costume de uma procissão de acção de graças no dia 14 de Agosto, costume apenas interrompido durante o domínio filipino.

      A Infanta D. Maria (1521-1577), que tinha particular devoção a Nossa Senhora da Graça, mandou-a revestir de prata batida.

      Durante o terramoto de 1755, a imagem ficou soterrada nos escombros da sua capela, salvando-se a cabeça e as mãos. Foi restaurada e colocada no altar onde actualmente se encontra.

      Nossa Senhora da Graça é representada iconograficamente com o Menino Jesus sobre o braço esquerdo, e uma rosa na mão direita. Está coroada, bem como o Menino.


      VII . O SENHOR DOS PASSOS DA GRAÇA

        A Real Irmandade da Santa Cruz e Passos da Graça foi instituída em 1586 por Luís Álvares de Andrade, pintor régio. É a mais antiga irmandade desta invocação existente em Portugal e celebrizou-se por lhe pertencer a primeira nobreza de Portugal.

        A Procissão dos Passos da Graça, a cargo da confraria, tem carácter penitencial. Foi realizada pela primeira vez em 1587, tornando-se uma das mais populares devoções de Lisboa. Percorria as ruas da capital na Quaresma, entre São Roque e a Graça, com paragem em sete estações: os Passos. Ocorre todos os anos no segundo Domingo da Quaresma.

        A capela do Senhor dos Passos, sede da irmandade, instalada inicialmente numa das alas do claustro nobre, está situada no transepto da igreja desde 1668; parcialmente destruída pelo terramoto, foi reconstruída entre 1765 e 1772, e aqui se encontram as venerandas imagens do Senhor dos Passos da Graça e de Nossa Senhora da Soledade. Toda a decoração é alusiva à paixão de Cristo e à Santíssima Trindade. A irmandade possui ainda outras dependências, incluindo a sala dos milagres e promessas, na parte inferior, com paredes revestidas de ex-votos, de particular interesse iconográfico e devocional.

         

        (1) SANTA MARIA, Agostinho de, Santuario Mariano e Historia das Imagens Milagrosas de Nossa Senhora E das milagrosamente aparecidas (…), Tomo 1, Lisboa, Na Officina de António Pedrozo Galrão,1707, pp. 88-98.

         

        REFERÊNCIAS

        • SOUTO, António de Azevedo Meirelles, “Os azulejos do Convento da Graça em Lisboa”, in Separata da Revista Municipal, n.º 120 - 121, Lisboa, 1969.
        • AZEVEDO, Carlos, Dicionário da História Religiosa de Portugal (dir.), Lisboa, Círculo de Leitores, imp., 2000.
        • ALONSO, Carlos, Os Agostinhos em Portugal, Madrid, Ediciones Religión Y Cultura, 2003.
        • AZEVEDO, Carlos Moreira, Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho em Portugal (1256-1834,) edição da Colecção de Memórias de Fr. Domingos Vieira, OESA, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, Centro de Estudos de História Religiosa (CEHR), 2011.
        • QUEIRÓS, Mónica Ribas Marques Ribeiro de, O arquitecto Mateus Vicente de Oliveira (1706-1785): uma práxis original na arquitectura portuguesa setecentista, Lisboa, Tese de Doutoramento, Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas-Artes, 2013.

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