Igreja Dos Terceiros de São Francisco, Viseu


Nesta página: 

I . História

II . Descrição

III . A Venerável Ordem Terceira de São Francisco

IV . São Francisco: culto e iconografia

 

I . HISTÓRIA

Em 1741, a Irmandade da Ordem Terceira Secular de São Francisco decidiu edificar um templo próprio, com particular empenho de D. Francisco de Albuquerque do Amaral Cardoso, Ministro da Ordem.

A primeira pedra da nova igreja foi lançada solenemente a 9 de Abril de 1746 por D. Júlio Francisco de Oliveira (1740-1765), em terrenos cedidos por D. Antónia Inês de Castro, junto ao desaparecido convento de Santo António, com o patrocínio de D. João V e do Bispo de Viseu.

A igreja, construída segundo projecto do mestre António Mendes Coutinho (1757) foi sagrada a 16 de Janeiro de 1763 por D. Júlio Francisco de Oliveira. Posteriormente foram realizadas as obras da grande escadaria e do interior, nomeadamente o revestimento azulejar e os retábulos em talha dourada, e construída a Casa do Despacho. A edificação da igreja terminou em 1773.

Durante o século XIX, a zona envolvente foi profundamente alterada. Em 1834, o convento de Santo António foi extinto e parte da antiga cerca passou a Passeio Público; o centro administrativo da cidade foi transferido para o antigo Rossio de Maçorim, em frente ao qual se erguia a igreja da Ordem Terceira. Durante o século XX, o convento franciscano foi demolido (1950), a capela de Nossa Senhora da Vitória deslocada para o local onde se encontra actualmente, e a restante parte da antiga cerca convertida em Parque da Cidade (1955).

A igreja dos Terceiros com a imponente escadaria, manteve não só a posição dominante frente ao Rossio – actual Praça da República – como a envolvência da grande mancha verde de carvalhos seculares plantados pelos religiosos franciscanos, que integram actualmente o Parque Aquilino Ribeiro.



II . DESCRIÇÃO

A igreja dos Terceiros de São Francisco é um dos mais notáveis e admiráveis monumentos da cidade de Viseu.

Situada em lugar privilegiado e de grande movimento, ergue-se frente ao antigo Rossio de Maçorim, circundado pelo Parque Natural da cidade onde subsiste a pequena ermida de Nossa Senhora da Vitória, anterior sede da Ordem Terceira.

A monumental escadaria em granito, de vários patamares, dá acesso ao grande adro balaustrado, com o brasão de D. Júlio Francisco de Oliveira, nos cunhais.

Na admirável fachada, obra setecentista do mestre António Mendes Coutinho, destacam-se as grandes janelas emolduradas em cantaria de granito. No grandioso pórtico encontra-se o escudo da Ordem Franciscana e, lateralmente, cartelas epigrafadas relativas à edificação do templo: Os teus filhos da Ordem Terceira Franciscana construíram para Deus este templo com as suas esmolas as quais foram dadas com verdadeira piedade. No ano de 1768 e Em qualquer estado, homem ou mulher, todos poderão aprender o caminho seguro para o Céu.

Do lado direito, ergue-se a torre sineira com balaustrada e coruchéu onde é visível o catavento peculiar - Anjo com cruz.

A igreja tem no interior um dos mais notáveis conjuntos retabulares em talha dourada que contrastam admiravelmente com os grandes painéis azulejares que revestem as paredes.

Na nave, os altares em talha dourada, profusamente decorados e marmoreados, são da autoria do mestre José da Fonseca Ribeiro (1733-1815).

À esquerda, encontra-se o Altar do Calvário, com a veneranda e grandiosa imagem do Senhor dos Aflitos (século XVII), ladeada pela Virgem das Dores e São João Evangelista em alto-relevo.

Do lado direito, com idêntica configuração, o altar do Sagrado Coração de Jesus tem imagem desta invocação e de Nossa Senhora de Fátima; a capela de São Francisco, mais recente, e o altar de Santa Luzia com uma notável escultura.

As paredes da nave estão revestidas por grandes silhares de azulejos historiados, com emolduramentos rocaille, atribuídos a Salvador Sousa Carvalho (c.1727-1810), representando passos da vida de São Francisco: O sonho do Papa Inocêncio III, A oração de Francisco afastando o demónio, São Francisco e a Beata Jacoba de Settesoli, do lado esquerdo; no baixo-coro, São Francisco impõe o hábito a Santa Clara e São Francisco despoja-se das vestes perante o Bispo de Assis; do lado direito São Francisco em oração, São Francisco e Santo António - com legenda Placet Studium cum Pietate (O estudo aliado à piedade agrada) - e Pregação de São Francisco.

Os dois notáveis púlpitos com base de granito e decoração em lápis-lazúli e talha dourada, têm as insígnias da Ordem – coração em chamas, coroa de espinhos, cordão franciscano e coroa real - e, no remate do baldaquino, o denominado Anjo da Fama, que completa de forma original o conjunto.

No arco cruzeiro, encimado por um crucifixo de grande dimensão, encontram-se dois admiráveis retábulos em talha dourada, dedicados a Santo António e a São Luís, rei de França, com imagens do escultor Francisco Matos (1769).

A capela-mor, de planta octogonal, tem a presidir Nossa Senhora da Conceição – padroeira da Ordem. No grandioso retábulo, também em talha dourada, do mestre José da Fonseca Ribeiro, destaca-se o admirável sacrário, em marmoreado de vários tons, ladeado pelas imagens de São Francisco – fundador da Ordem Franciscana -, e São Roque – padroeiro da Ordem Terceira; e, no frontão, as insígnias da Ordem. Inumeráveis anjos dão particular realce a todo o conjunto.

Nas paredes laterais, encontram-se quatro pinturas alusivas à iconografia franciscana: O Milagre da Porciúncula, A instituição da Ordem Terceira (?), A instituição das três Ordens franciscanas - com legenda Ele instituiu três Ordens - e Visita do Papa Nicolau V ao túmulo de São Francisco, cena invulgarmente representada. O conjunto, da autoria do pintor viseense António José Pereira (1821-1895), veio substituir as pinturas do século XVIII que se encontravam danificadas.

Os grandes painéis de azulejos, completam as cenas da vida do Santo de Assis: Visão de São Francisco - Estigmatização e Morte - Glorificação de São Francisco.

Janelões e portas admiravelmente lavrados com molduras em granito e marmoreadas, distribuem-se pela capela-mor, destacando-se a tribuna da Casa do Despacho.

Dois esplêndidos Anjos tocheiros completam este magnífico conjunto.

No coro-alto, encontra-se o notável órgão do início do século XIX do organeiro Luís António dos Santos (1808), em talha dourada, com a caixa e coreto também marmoreados e, no remate, anjos músicos e as insígnias da ordem Franciscana. A balaustrada tem ao centro medalhão com legenda (Louvai-O com a harpa e com o órgão, Salmo 154).

Na sacristia, destaca-se o grande arcaz em madeira do Brasil, tendo no espaldar um notável conjunto de pinturas representando santos franciscanos: São Boaventura, São João Capristano, São Francisco, São Tiago Della Marca (?), São Pedro de Alcântara e São Luís de Tolosa. Lateralmente, encontra-se um retábulo do século XVII, proveniente do antigo convento de Santo António, com um admirável conjunto pictórico alusivo aos Milagres de Santo António. O medalhão central do tecto tem representada Nossa Senhora da Conceição.

A Casa de Despacho da irmandade conserva um valioso espólio de arte sacra, integrando mobiliário do século XVIII. Está inteiramente revestida com notáveis Panos de Tunes (1764-1770), representando cenas de caça e palacianas, albarradas e outros motivos florais. Encontram-se também preciosas alfaias e bandeiras utilizadas nas tradicionais procissões promovidas pela Irmandade dos Terceiros de São Francisco da cidade de Viseu.



III . A VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DE VISEU

A Venerável Ordem Terceira dos Irmãos e Irmãs da Penitência foi instituída por São Francisco de Assis em 1221 – data provável - destinada a homens e mulheres do mundo secular. Jacoba de Setessoli (c.1190-c.1239) é considerada uma das primeiras mulheres beatificadas desta Ordem.

A Ordem Terceira difundiu-se com extraordinária rapidez por toda a Europa, ingressando grande número de nobres e de reis, nomeadamente São Luís de França. A regra foi aprovada em 1289 pelo Papa Nicolau IV, sendo modificada ao longo dos séculos de acordo com as circunstâncias de cada época.

Em Portugal, foram estabelecidas Fraternidades de Terceiros na primeira metade do século XIII, tendo desde o início um amplo desenvolvimento e grande prestígio. Várias irmandades dispuseram de igreja própria, junto dos conventos franciscanos, ou foram instituídas em capelas ou altares de igrejas paroquiais.

Os Terceiros Franciscanos tiveram profunda influência na sociedade portuguesa, promovendo hospitais, asilos e albergarias, alguns ainda existentes na actualidade.

A extinção das Ordens religiosas em 1834, provocou um rude golpe nas Fraternidades Terceiras que, embora permanecendo devido ao seu carácter secular, ficaram muito fragilizadas sem a assistência dos religiosos franciscanos.

Após o Concílio Vaticano II, muitas irmandades foram reactivadas, e a Ordem Terceira ganhou novo impulso, estando actualmente bem radicada em Portugal.

Em Viseu, a Ordem Terceira Secular foi erigida na capela de São Sebastião no claustro da Sé no dia 1 de Novembro de 1557. Foi transferida para a Igreja da Misericórdia (1596) e, em Maio de 1635, instalou-se numa das dependências do Convento de Santo António.

Em 1728, devido a várias vicissitudes, os irmãos terceiros transferiram-se para a capela de Santa Cristina e, em 1733, para a capela da Vitória situada nas proximidades do convento de Santo António. Decidindo edificar um templo próprio, a sede da irmandade foi transferida para o mesmo após a sua conclusão em 1773.

A extinção do convento franciscano em Viseu (1834), a instauração da República (1910) e a perseguição religiosa que se seguiu, debilitou a Ordem Terceira, tal como no resto do país.

A Ordem Terceira de Viseu renovou-se nas últimas décadas e é actualmente uma comunidade activa na sociedade viseense, sob a orientação espiritual da Ordem dos Frades Menores Conventuais com sede na mesma igreja.

O escudo da Ordem tem representado dois braços cruzados de Cristo e do Santo fundador, encimados pela Cruz.

O santoral franciscano inclui e venera de forma particular Nossa Senhora da Conceição, São Francisco e os santos franciscanos, nomeadamente Santo António e São Roque.


IV . SÃO FRANCISCO: CULTO E ICONOGRAFIA

Francisco nasceu em Assis por volta do ano de 1181. Em 1202, atraído pelas histórias de cavalaria, alistou-se como soldado na guerra entre Perugia e Assis, sendo preso. Após ser libertado, teve a chamada visão de Spoleto (2005), que o fez regressar a Assis. No Outono desse ano, teve lugar o episódio do Cristo do Crucifixo de São Damião - repara a minha Igreja que está em ruínas.

No princípio de 1206, despojou-se de todas os seus bens, dedicando-se a reconstruir as igrejas de São Damião, São Pedro e Santa Maria dos Anjos da Porciúncula. Em 1207, ocorreu o Sonho do Papa Inocêncio alusivo ao santo de Assis – a Basílica de São João de Latrão prestes a desabar, sendo sustentada por um pobre religioso.

A partir de 1208 dedicou-se à pregação e assistência aos pobres e leprosos. Em 1209 dirigiu-se a Roma, obtendo do Papa Inocêncio III a aprovação da Regra da Ordem dos Frades Menores. A Segunda Ordem foi fundada em 1212 com Santa Clara de Assis. Em 1215 obteve do Papa Honório III a indulgência da Porciúncula.

No Monte Alverne, em Agosto de 1224, com a visão de Cristo Seráfico, recebeu os estigmas.

Morreu a 4 de Outubro de 1226 e foi canonizado em 1228 pelo Papa Gregório IX. Está sepultado na Basílica de São Francisco em Assis, onde foi e continua a ser venerado por milhares de fiéis, incluindo diversos Pontífices.

São Francisco é conhecido particularmente pelo amor à Virgem Maria, à pobreza, à humildade e simplicidade na relação com os seus semelhantes, pelo sentido de fraternidade universal, admiração e louvor pelas maravilhas da criação.

 

REFERÊNCIAS:

  • ALVES, Alexandre, Igreja dos Terceiros de São Francisco, Viseu, Santa Casa da Misericórdia de Viseu, 1988.
  • AZEVEDO, Carlos, (dir.) Dicionário da História Religiosa de Portugal, Lisboa, Ed. Círculo de Leitores, 2000.
  • ROÇADO, Ana Carla da Costa, António José Pereira: o artista e a obra no quadro da cultura e do turismo de Viseu, dissertação de mestrado [Viseu] Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional das Beiras, 2011.

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