Igreja Paroquial de Nossa Senhora dos Remédios, Carcavelos
Nesta página:
I . História
II . Descrição
III . Nossa Senhora dos Remédios: culto e iconografia
I . HISTÓRIA
A primitiva igreja de Nossa Senhora dos Remédios foi edificada possivelmente nos inícios do século XVII, numa zona rural um pouco distante do litoral, num período marcado pelas frequentes incursões de piratas e corsários. Pertencia ao Concelho de Cascais, tendo sido implantada em sítio muito sadio (…) e alegre pela larga vila que tem (1).
Segundo as Memórias Paroquiais, a igreja possuía a venerada imagem da Senhora dos Remédios, e os dois altares colaterais eram dedicados a Nossa Senhora do Rosário e ao Cristo Crucificado; tinha também a Irmandade do Santíssimo Sacramento.
A igreja ficou muito danificada com o terramoto de 1755. O processo de recuperação foi moroso e difícil, tendo em conta a relativa pobreza do lugar, situação que se prolongou por todo o século XVIII. Em 1804, a falta de recursos não permitiu a nomeação de pároco, como foi referenciado pelo Conde de Vila Verde D. Diogo de Noronha (1747-1806), Ministro do Reino. Em 1870, foi extinta a Irmandade do Santíssimo Sacramento, tendo a Junta da Paróquia de Carcavelos tomado posse dos bens – incluindo uma preciosa custódia-cálice de prata.
No final do século XIX, manteve-se o culto, apesar do estado de degradação do edifício ser notório.
Em 1910, com a implantação da República e a falta de recursos, a igreja foi encerrada, seguindo-se um período conturbado. Em 1913, a igreja foi assaltada, sendo destruídas imagens e alfaias sagradas de grande valor.
Em 1918, possivelmente por iniciativa do Dr. José Cardoso Meneses Martins (1873-1954), administrador do concelho de Cascais, foram criadas as condições para a defesa do património remanescente da igreja, nomeadamente a proibição da venda dos painéis de azulejos. No ano seguinte, procedeu-se a alguns restauros, com intervenção do pintor Pereira Cão (1841-1921). Posteriormente a igreja foi reaberta ao culto.
Durante a segunda metade do século XX e início do século XXI, várias campanhas de conservação e restauro, permitiram recuperar o notável conjunto azulejar que fazem desta igreja uma das mais interessantes dos arredores de Lisboa.
II . DESCRIÇÃO
A igreja paroquial de Nossa Senhora dos Remédios está situada no centro antigo da Vila de Carcavelos.
Na fachada principal, voltada a Sul, destaca-se a pequena torre sineira do lado ocidental, o mostrador do antigo relógio de sol sobre o pórtico de entrada, e o remate do frontal. Na parte posterior ergue-se a original cúpula hemisférica com lanterna, sobre o presbitério.
No interior da igreja, o revestimento azulejar - na sua maioria do século XVII - da nave, do cruzeiro e da capela-mor, confere ao conjunto uma particular luminosidade.
À entrada, do lado esquerdo, encontra-se a capela baptismal, com paredes totalmente revestidas a azulejo policromo e a pia baptismal, em cantaria. À direita, encontra-se a pia de água benta também em cantaria concheada.
As paredes da nave estão revestidas, até meia altura, de azulejo policromo do século XVII. É de destacar o antigo púlpito em mármore policromo, também do século XVII.
Os altares colaterais, ladeando o arco triunfal, estão dedicados a Nossa Senhora do Carmo e ao Sagrado Coração de Jesus. O enquadramento dos nichos é em mármore rosa e branco, e os frontais, também do século XVII, em mármore policromo, formando conjunto com o púlpito.
O arco triunfal dá acesso ao belíssimo espaço do cruzeiro e capela-mor, totalmente revestido a azulejo, com pequenos painéis figurativos, conjunto arquitectónico e artístico de grande harmonia e beleza em honra da Santíssima Virgem, a quem o templo é dedicado.
O cruzeiro com quatro arcos, tendo o da entrada os antigos confessionários, integrados nas paredes laterais, totalmente azulejadas. São particularmente originais os concheados do remate à maneira de tímpano. Pequenos painéis figurativos, também em azulejo, representam passos da vida de Santo António: O Milagre da cura de um menino e o Sermão aos Peixes.
A cúpula sobre o cruzeiro dá particular realce a todo este espaço. Está assente em magníficos pendentes azulejares, policromos com albarradas. São especialmente referidas as cariátides dos pendentes junto ao altar-mor, atribuídas a Gabriel del Barco (1649 - c.1703).
Os arcos que delimitam o cruzeiro, têm vinte painéis representando fundamentalmente os Mistérios do Rosário de Nossa Senhora. O programa iconográfico tem a particularidade de incluir várias e repetidas cenas dos mistérios gozosos, centrados no painel Nossa Senhora Rainha.
Os Mistérios Gozosos encontram-se sobre o arco de entrada no cruzeiro - A Adoração dos Reis, A Adoração dos Pastores, A Visitação da Virgem a Santa Isabel, A Circuncisão, A Apresentação do Menino no Templo; e, sobre o arco da capela-mor - A Anunciação, O Casamento de Nossa Senhora, A Adoração dos Reis Magos, O Nascimento de Jesus.
Do lado esquerdo encontram-se os Mistérios Dolorosos: A Agonia do Senhor no Horto, A Flagelação, A Coroação de Espinhos, Jesus com a Cruz a Caminho do Calvário, A Crucifixão. E do lado direito estão representados os Mistérios Gloriosos - A Ressurreição, A Ascensão do Senhor aos Céus, O Pentecostes, A Assunção da Virgem, A Coroação de Nossa Senhora.
Sobre as portas laterais estão igualmente painéis figurativos, representando São José e o Menino Salvador do Mundo e São Francisco recebendo os estigmas; e Santos Eremitas sobre as portas dos confessionários.
Imagens recentes de São José e Nossa Senhora de Fátima encontram-se nos nichos laterais do cruzeiro.
No retábulo-mor preside a veneranda imagem de Nossa Senhora dos Remédios. São particularmente notáveis os nichos azulejados, com imagens de Santo António e São Sebastião, bem como os painéis representando Anjos com grinaldas de flores que ladeiam o camarim da Virgem Maria. Junto ao sacrário encontram-se duas cartelas representando Anjos com símbolos marianos – Arca da Aliança, Estrela.
As credências laterais encontram-se integradas em nichos – à semelhança dos confessionários -, com painéis figurativos representando Nossa Senhora, Jesus e João Baptista e A Sagrada Família.
A igreja de Carcavelos possui uma particular imagem de Nossa Senhora de Fátima em madeira, monocroma, da antiga capela do paquete Príncipe Perfeito (1961-1976), oferecida pelo Comandante Paulino Tallone de Jesus.
III . NOSSA SENHORA DOS REMÉDIOS: CULTO E ICONOGRAFIA
A invocação de Nossa Senhora dos Remédios tem origem na Ordem da Santíssima Trindade fundada nos finais do século XII por São João da Mata e São Félix de Valois. Tinha por missão principal o resgate dos prisioneiros, nomeadamente os cativos cristãos que se encontravam sob o domínio dos mouros.
A invocação surgiu com São João da Mata (1160-1213) que, não tendo, em determinada ocasião, a quantia necessária para o resgate dos cativos, recorreu à Virgem Maria. Segundo a tradição, Nossa Senhora apareceu-lhe entregando uma bolsa de moedas – remédio para a situação em que se encontrava.
Esta devoção está habitualmente associada à Ordem da Santíssima Trindade, principalmente nas regiões onde se estabeleceu.
Em Portugal, o culto à Senhora dos Remédios foi introduzido pelos religiosos trinitários franceses que, em 1217, chegaram a Lisboa, e que paulatinamente se estendeu a todo o país. A invocação ampliou o seu significado, abrangendo o resgate ou libertação de todo o tipo de males, e sendo considerada a medicina mais eficaz para curar todas as doenças da alma e do corpo.
Sob invocação de Nossa Senhora dos Remédios multiplicaram-se os altares, ermidas e capelas, e foram erigidos grandes santuários em Portugal e nas regiões de expansão portuguesa, nomeadamente no Brasil, em África e na Índia. É também orago de muitas freguesias, como é o caso de Carcavelos.
Nossa Senhora dos Remédios é representada com o Menino ao colo e, na iconografia mais antiga, com uma bolsa na mão direita – alusão ao resgate dos cativos. Nas representações posteriores tem coroa e ceptro – Rainha do Céu -, como na imagem da Paróquia de Carcavelos.
(1) Pe. Luís Cardoso, Diccionario geografico, ou noticia historica de todas as cidades, villas, lugares, e aldeas, rios, ribeiras, e serras dos Reynos de Portugal, e Algarve, (...), Lisboa, 1747-1751
REFERÊNCIAS:
- MECO, José, Azulejaria Portuguesa, Lisboa, Bertrand Editora, Colecção Património Português, 1985
- REIS, Jacinto, Invocações de Nossa Senhora em Portugal de Aquém e de Além-mar e seu Padroado, [S.l.: s.n.]. Lisboa, Tipografia da União Gráfica.1967
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