
Ermida de São Bento do Alandroal
Nesta página:
I . História
II . Descrição
III . São Bento: culto e iconografia
IV . A Ordem Militar de Avis
I . HISTÓRIA
A ermida de São Bento do Alandroal fica situada em terras da Ordem Militar de São Bento de Avis. Tem vista panorâmica sobre o Rio Guadiana e a vizinha Espanha, em terras onde o culto de São Bento arreigou desde os alvores da nossa nacionalidade.
A ermida foi edificada pela povo da Vila, em acção de graças pela intercessão do Santo Patriarca que, segundo a tradição, livrou a população da peste que dizimava a região. Cerca de 1580, João Sirgado vinha diariamente rezar ao Santo Patriarca, no local onde se avistava a Ermida de São Bento da Contenda – terra portuguesa no termo de Olivença, actualmente administrada por Espanha. Numa visão, São Bento ordenou-lhe que dissesse aos moradores de Alandroal para lhe edificarem uma Casa, que ele seria intercessor diante de Deus.
(...) Velho chamado João Sirgado todos os dias ao lugar onde hoje está a Ermida, e como dali se avistava a de S. Bento da Contenda que está no termo de Olivença ao pé da Serra de Alor, distante desta vila quatro léguas, se punha a fazer oração ao Santo, até que lhe apareceu o grande Patriarca, lhe mandou que dissesse aos moradores do Alandroal, que lhe edificassem ali uma casa que ele seria seu intercessor diante de Deus.
(...) e logo lhe edificaram a Ermida e o santo também cumpriu a palavra livrando o povo do Alandroal da peste, e ares corruptos de que então estavam vexados, e de então por diante até ao presente os tem livrado, tanto assim que ardendo com peste Portugal em ano de 1600 especialmente os lugares vizinhos desta vila como são Vila Viçosa, Borba, Estremoz, Redondo, Terena e outros. Só o Alandroal estava isento dela, respirando ares incorruptos, e se livrou que vindo algumas pessoas feridas já da mesma peste, entrando na Vila logo saravam (1)
Cerca de 1600, iniciou-se a construção da ermida. A Casa de Bragança contribuiu também para a sua edificação por meio de Gaspar Fernandes, escrivão das sisas, provavelmente pela intervenção da Duquesa de Bragança D. Beatriz de Lencastre, que se refugiou no Castelo de Alandroal, com sua filha D. Isabel.
A Ermida tornou-se rapidamente o santuário de maior devoção em toda a região, com romeiros vindos de muitas povoações vizinhas, construindo-se casas nos terrenos anexos para acolher os peregrinos. A manutenção da ermida estava entregue a um ermitão que ali vivia permanentemente.
No grande terreiro, passou a realizar-se uma feira franca – a Feira de São Bento – com bênção do gado, na segunda oitava da Páscoa.
(...) Não há dúvida que o Povo desta Vila tem fé em S. Bento (...) de sorte que nas suas maiores aflições logo a ele recorrem, e igualmente nele acham, não só abrigo mas remédio. É milagrosíssimo, esse seu seguro valimento (...) concorrem à sua ermida muitas pessoas de romagem de diferentes terras de multiplicados termos, até quando lhe enfermam os gados (...) os mandam benzer ao adro da dita Ermida, e o certo é que logo neles experimentam melhora. Festeja-se na segunda oitava da Páscoa, tempo em que se lhe faz feira três dias franca. (1)
Com o passar dos anos, a pequena ermida, além de se ter tornado o principal centro de peregrinação do Alandroal e terras vizinhas, teve melhoramentos que ainda permanecem.
Nos inícios do século XVIII, possivelmente, a nave e a sacristia foram revestidas com pinturas murais de grande colorido.
O templo primitivo teria apenas a nave e a sacristia anexa. Posteriormente foram edificados o alpendre e a capela-mor.
II . DESCRIÇÃO
No grande adro que circunda a ermida, destaca-se o antigo cruzeiro em frente da ermida.
O alpendre – ou nártex – de grandes proporções, com três arcadas, justaposto à fachada principal, é abobadado e com marmoreados.
Sobre o portal, destaca-se um óculo quadrifoliado que ilumina a nave. Na parte superior do frontão, encontra-se um pequeno campanário.
O interior está totalmente revestido de admiráveis composições murais, obra de artistas possivelmente regionais.
Nos alçados, proliferam ramagens e querubins, enquadrando pinturas com as Virtudes: Fé e Esperança, Caridade e Humildade. Todos os altares laterais têm também o fundo decorado com frescos, imitando um dossel, que rodeia o pequeno nicho primitivo. Têm imagens de São Jerónimo - notável escultura em madeira; São Miguel Arcanjo; e São Francisco Xavier - escultura do século XVIII. Do outro lado da nave, São Bento (?), Nossa Senhora da Piedade e São João Baptista, com esculturas também do século XVIII. Num dos arcos laterais encontram-se duas pinturas murais, nomeadamente de São Gregório Magno.
O tecto abobadado, tem uma admirável composição com concheados, ramagens, festões... No centro, está representada a Coroação da Virgem Maria pela Santíssima Trindade. Tem nas extremidades dois medalhões com a Lua e o Sol – atributos marianos -, com as respectivas legendas: PULCHRA UT LUNA, ELECTA UT SOL (Bela como a lua, brilhante como o sol, Cânt 6, 10).
Ramagens, anjos, festões enquadram também quatro pequenos painéis com representação de São Bento e São Paulo (?), A Entrega da Regra de São Bento, São Bento e os monges no campo – possível alusão ao lema beneditino Ora et labora.
À entrada da nave, destaca-se o púlpito, sobre base de mármore, com peculiares grades em ferro.
O arco triunfal tem no remate a Cruz de Avis, particular e significativa referência à Ordem Militar.
A capela-mor, edificada posteriormente e restaurada em 1872, está também decorada interiormente com estuques policromos.
O retábulo-mor em mármore branco e negro da região, tem ao centro a imagem de São Bento, orago da ermida e, lateralmente as imagens de Nossa Senhora do Rosário e Santo Ambrósio (?). No remate, estão representados em baixo-relevo, a Mitra, o Báculo e o Livro da Regra – elementos da iconografia beneditina.
A sacristia está também totalmente revestida de pinturas murais. Destaca-se o surpreendente e colorido tecto com a representação de São Bento rodeado de quatro acólitos. Uma balaustrada em tromp l’oeil completa a composição.
A decoração exótica das paredes integra figuras fantásticas, combinadas com albarradas, florões, arquitecturas fingidas...
Sobre a porta de acesso à capela-mor, está representado o Senhor Crucificado, entre sanefas recolhidas e a legenda N [osso] S [enhor] do Martír [io].
Também o lavabo, em mármore, está enquadrado por pintura mural.
Na Ermida encontram-se vários ex-votos dedicados ao padroeiro, que demonstram o culto enraizado, particularmente entre a população alentejana.
III . SÃO BENTO: CULTO E ICONOGRAFIA
São Bento nasceu em 480, em Núrsia na Itália central, filho de um nobre romano, recebendo uma educação profundamente cristã. Aos 20 anos, foi para Roma estudar retórica e filosofia; desagradado com a vida dissoluta que encontrou, abandonou a cidade e estabeleceu-se em Afide. Em 504, partiu para Subiaco; decidindo levar uma vida de eremita, viveu durante três anos numa caverna, dedicado à oração e à penitência; a sua fama de santidade atraiu numerosos visitantes.
Em 512, fundou doze mosteiros, dispersos pelo vale de Anio, perto de Subiaco, e, em 528, o grande mosteiro de Montecassino, que viria a ser o fundamento da expansão da Ordem Beneditina, e onde, possivelmente em 541, escreveu a célebre Regra a Regula Monachorum. Morreu em 547, sendo sepultado em Montecassino.
A vida de São Bento foi redigida por São Gregório Magno em 592, quando as recordações do santo fundador ainda estavam muito vivas na memória do povo. O II Livro dos Diálogos de São Gregório é a principal fonte de informação sobre a vida do santo patriarca, permitindo compreender muitos elementos das múltiplas obras de arte a ele dedicadas.
Em 1964, São Bento foi proclamado Padroeiro da Europa pelo Papa São Paulo VI.
Considerado o fundador do monaquismo ocidental, São Bento exerceu, com a sua vida e a sua obra, uma influência fundamental no desenvolvimento da civilização e da cultura europeias, tornando-se indirectamente, nas palavras do Papa São João Paulo II, o pioneiro de uma nova civilização.
São Bento e a sua Regra estão ligados a Portugal desde a sua origem, nas raízes essencialmente cristãs da cultura portuguesa e, ao longo dos séculos, na entranha da história do País e de cada região.
A Regra de São Bento foi introduzida em território portucalense pelos monges cluniacenses, a partir do Concílio de Coyanza (1050/1055). Tendo conhecido grande expansão até ao século XII, foi notável o papel dos mosteiros beneditinos durante a reconquista cristã, particularmente no Norte.
Santo padroeiro de várias freguesias, com ermidas e igrejas a ele dedicadas, a sua devoção tomou um cunho fortemente popular e está arreigado em todo o país, nomeadamente na região no Alentejo, através da Ordem de Avis.
São Bento é representado, quer como jovem monge, quer como abade venerável, envergando o hábito negro da Ordem, por vezes com mitra e báculo, tendo na mão a Regra. Há outros atributos que identificam o santo, nomeadamente o corvo e o crivo, em memória dos seus milagres.
As festas litúrgicas de São Bento são: a 21 de Março, a Festa do Trânsito ou da morte, liturgicamente ligada ao ciclo agrário da Primavera; e 11 de Julho, a Festa da Trasladação das Relíquias e de São Bento Padroeiro da Europa.
IV . A ORDEM MILITAR DE AVIS
A Ordem Militar de São Bento de Avis, surgiu em Évora – os Freires de Santa Maria de Évora ou a Milícia de Évora – nas últimas décadas do século XII (c. 1175/1176), e aliada desde cedo à defesa e povoamento das regiões de fronteira. Teve um papel primordial no Sul do país, particularmente no Alentejo. Em 1223/1224 mudou a sua sede para Avis.
A Ordem de Avis professava a Regra de São Bento – adaptada à vida militar – tendo como insígnia a Cruz em verde com pontas em flor-de-lis.
(1) Memórias Paroquiais (Alandroal, Avis), Arquivo Nacional da Torre do Tombo, vol. 1, nº 64, pp. 439-462, 1758.
REFERÊNCIAS:
- DIAS, Geraldo J. A. Coelho, Hagiografia e Iconografia Beneditinas, OSB/FLUP, Via Spiritus: Revista de História da Espiritualidade e do Sentimento Religioso Vol. 3, pp. 7-24, 1996.
- MONTEIRO, Patrícia Alexandra, A Pintura Mural na Região do Mármore (1640-1750). Estremoz, Borba, Vila Viçosa e Alandroal, tese de Mestrado, Lisboa, Faculdade de Letras, 2007.
- CUNHA, Maria Cristina Almeida e, Estudos sobre a Ordem de Aviz (séc. XII-XV), Porto, Faculdade de Letras, 2009.
- Na Rota de São Bento por Terras de Portugal, Lisboa, Associação Portuguesa de Cultura e Desenvolvimento, 2010.
- Arte Sacra no Concelho do Alandroal, Inventário Artístico da Arquidiocese de Évora, Évora, Fundação Eugénio de Almeida, 2015.
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