Os Confessionários setecentistas da Basílica da Estrela, Lisboa
O Confessionário é um móvel compartimentado, destinado à administração do sacramento da Penitência. Recebeu o nome da sua principal função – a confissão dos pecados.
Nos primeiros tempos da Igreja, não parece ter havido confessionários, tal como actualmente os denominamos.
Com a generalização da prática da confissão frequente e secreta a partir dos finais do século IV, impulsionada particularmente pelos monges irlandeses, tornou-se necessário a existência de um lugar próprio para a administração do sacramento. Consistia, na maior parte dos casos, numa simples abertura na parede, com um crivo, permitindo a comunicação entre o penitente e o sacerdote.
O IV Concílio de Latrão (1215), determinando que todos os fiéis, chegados ao uso da razão, se confessassem e comungassem ao menos uma vez por ano, pela Páscoa, obrigou a que na igreja houvesse um local, visível, aberto e adequado para a administração deste Sacramento. Foi neste contexto que surgiu o confessionário como sede fixa para receber as confissões dos fiéis, embora não utilizado ainda de forma universal.
O Concílio de Trento (1545-1563), dando particular importância à integridade e sacralidade da Confissão, deu orientações concretas no modo de administrar este sacramento. Após o Concílio de Trento, introduziu-se o uso de móveis de madeira, fixos ou amovíveis.
São Carlos Borromeu (1538-1584), Arcebispo de Milão, no seguimento do Concílio, deu orientações detalhadas para a construção dos confessionários, nomeadamente: a existência de dois confessionários nas igrejas, em lugares bem visíveis e abertos, apartados entre si, destinados à confissão dos homens e das mulheres respectivamente; a estrutura do confessionário deveria permitir a confissão secreta, o anonimato do penitente, e salvaguardar o decoro no caso particular da confissão das mulheres, pela separação física entre o confessor e o penitente; deveriam, por isso, ser constituídos por dois espaços, separados por uma grade, um com assento destinado ao confessor, e o outro com genuflexório destinado ao penitente. A grade, que poderia facilitar a confissão dos pecados, garantia também o direito ao anonimato do penitente. Dada a sacralidade do acto penitencial, o confessionário deveria ser construído em madeira nobre e com configuração condigna deste Sacramento.
A obrigação do uso do confessionário estendeu-se a todas as igrejas paroquiais e, a partir de Milão, aos outros países europeus, incluindo as terras de missão.
Em Portugal, São Frei Bartolomeu dos Mártires (1514-1590), Arcebispo de Braga, foi quem mais se evidenciou na concretização das reformas tridentinas. A partir do IV Sínodo Provincial de Braga (1566-1567), foram estabelecidas normas relativas à dignificação e cuidado na administração do sacramento da Penitência, bem como à construção e uso do confessionário, seguindo as orientações de São Carlos Borromeu.
Os dois confessionários da Basílica da Estrela, configurados segundo as normas tridentinas, estavam possivelmente concluídos em 1788, por ocasião da solene sagração dos sinos a 17 de Agosto do mesmo ano.
Actualmente, estão colocados em cada um dos braços do transepto da Basílica. São confessionários duplos, em pau santo, permitindo a administração alternada do sacramento. O módulo central tem assento com espaldar alto, decorado com motivos fitomórficos - grinaldas e ânforas com florão, em talha. Os dois módulos laterais, destinados aos penitentes, têm também decoração fitomórfica. É de destacar, além das múltiplas estrelas, a decoração alusiva ao Sagrado Coração de Jesus, orago da igreja: coração chagado envolvido por resplendor e rosário de flores - e não pela habitual coroa de espinhos.
Estes notáveis móveis estão atribuídos ao Mestre entalhador António Ângelo (c. 1745-1814), particularmente reconhecido como artífice de arte sacra. Ele próprio registou ter realizado os dois confessionários de Pau Santo com seus ornatos de madeira amarela que se fizeram para o Real Convento da Estrela por ordem de Sua Majestade (1).
(1) GUEDES, Maria Natália Brito da Silva Correia, Museologia e Comunicação, Vol. II, pág. 316.
Referências
- GUEDES, Maria Natália Brito da Silva Correia, Museologia e Comunicação, Vol. II, Dissertação de Doutoramento em Antropologia (especialização em Museologia), Lisboa, Universidade Nova, 1994.
- AZEVEDO, Carlos, (dir.) Dicionário da História Religiosa de Portugal, Lisboa, Ed. Círculo de Leitores, 2000.
- FRADE, Gabriel dos Santos, Entre Renascimento e Barroco: os Fundamentos da Arquitetura Religiosa e a Contrarreforma – o De Fabrica Ecclesiae de Carlos Borromeu, Tese de Doutoramento, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, 2016.
Adicionar comentário
Comentários