A Virgem de São Lucas, Coimbra
A Virgem de São Lucas é uma notável pintura da Sé Nova de Coimbra, réplica da celebrada Salus Populi Romani da Basílica de Santa Maria Maior em Roma.
Esta designação tem origem no ícone da Virgem que se encontra na capela Paulina da Basílica de Santa Maria Maior em Roma e que, durante séculos, a tradição atribuiu ao evangelista São Lucas. Tem datação controversa, mas possivelmente foi realizada entre os séculos IX e XII, embora alguns autores refiram uma datação mais antiga.
Em Roma, invocada como Salus Populi Romani – Nossa Senhora do Pópulo - é uma representação iconográfica da Theotokos, o ícone bizantino da Virgem Maria. É uma pintura sobre madeira de cedro, mostrando a Virgem Maria em meia figura com o Menino no braço esquerdo. De grande devoção dos Papas, a sua invocação está associada a vários milagres, particularmente em situações de epidemia.
São Francisco de Bórgia (1510 - 1572), Superior Geral da Companhia de Jesus, esteve na origem da divulgação da imagem, associando-a à sua própria vocação. Tuvo grandísimo deseo y devoción de tener un verdadero y perfeto retrato de la imagen de la Madre de Dios, que el Evangelista San Lucas pintó de su mano y está en Santa María la Mayor de Roma (1).
Em 1569, a instâncias do santo jesuíta, o Papa São Pio V (1504 – 1572) autorizou pela primeira vez a realização de uma cópia da milagrosa Salus Populi Romani.
Desta primeira cópia não há referência sobre o autor, sendo apenas mencionado como um grande pintor romano, e sido realizada sob a supervisão do Cardeal São Carlos Borromeu, então Arcipreste da Basílica de Santa Maria Maior. A cópia foi enviada ao noviciado jesuíta em Roma – Sant’Andrea al Quirinal - onde ainda se encontra, na capela de Santo Estanislau kostka.
Por replicação, a Salus Populi Romani tornou-se algo distintivo de muitas igrejas jesuítas europeias.
Os Jesuítas difundiram por todo o mundo esta imagem, particularmente através das rotas portuguesas de navegação. Foi levada às mais longínquas terras, onde a devoção arreigou, nomeadamente nas regiões sob administração ou influência portuguesa: Brasil, Etiópia, Isfahan, Goa, Macau, China, Japão, ...
Em Portugal, chegaram as primeiras cópias, atribuídas a Juan de Mayorga (c. 1533 - 1570) com o Pe. Inácio de Azevedo (c.1526 – 1570) que, no seu regresso de Roma, trouxe de presente para a Rainha D. Catarina. A história do seu martírio, em 15 de Julho de 1570, relata a sua morte com a imagem da Salus Populi Romani na mão. Deste episódio – Os 40 mártires do Brasil -, originou-se a designação de Nossa Senhora Azevediana. Encontram-se actualmente cópias em Lisboa, Braga, Évora, Açores...
Em Coimbra, a Sé Nova tem, na capela de Santo António, a pintura de Nossa Senhora do Pópulo, também denominada A Virgem de São Lucas. Trata-se possivelmente da cópia realizada por Andrea Francea, pintor romano inscrito na prestigiada Academia Romana de São Lucas, por encomenda do Padre Manuel de Lima, Procurador da Companhia de Jesus em Roma da Província de Portugal.
Segundo documento assinado pelo artista, o trabalho foi iniciado em Junho de 1639, no próprio local, na presença de dois sacristães da Basílica de Santa Maria Maior. O artista copiou directamente do original, ao contrário da maioria das outras reproduções realizadas a partir de segundas cópias, o que valoriza particularmente esta pintura.
O autor efectuou duas réplicas para o Colégio de Jesus: a primeira, a partir da imagem da Virgem Santíssima, vulgarmente chamada de Santa Maria Maior, a qual foi pintada pela mão de São Lucas (2), que corresponde à que está na capela lateral da Sé Nova; e uma segunda cópia, semelhante à primeira, a partir do modelo reproduzido, possivelmente a que esteve na desaparecida capela doméstica do Colégio de Jesus.
Salus Populi Romani continua a ser invocada universalmente de um modo especial. A partir de 2000, o Papa São João Paulo II associou o ícone às Jornadas Mundiais da Juventude - especialmente visível nas JMJ de Lisboa de 2023 -, congregando milhares de jovens de todas as partes do mundo.
- RIBADENEYRA, Pedro, S.J., Vida del Padre Francisco de Borja, Madrid, Pedro Madrigal, 1594, p. 198.
- MARTINS, Fausto Sanches, Notícia sobre o Autor e a data do quadro da “Virgem de S. Lucas” do Colégio de Jesus de Coimbra, pp.130-131.
Referências
- MARTINS, Fausto Sanches, Notícia sobre o Autor e a Data do Quadro da “Virgem de S. Lucas” do Colégio de Jesus de Coimbra, Lusitânia Sacra, Lisboa, Centro de Estudos de História Eclesiástica, 2ª série, 5, 1993.
- CRAVEIRO, Maria de Lurdes e TRIGUEIROS, António Júlio, A Sé Nova de Coimbra. Coimbra: Direcção Regional de Cultura do Centro, 2011.
- PINTO, Rooney Figueiredo, A iconografia mariana no espaço jesuíta português: culto e devoção à Virgem Maria na Igreja do Colégio de Jesus de Coimbra, Dissertação de Mestrado, Universidade de Coimbra, 2014.
- MOCHIZUKI, Mia M., Sacred Art in an Age of Mechanical Reproduction: The Salus Populi Romani Madonna in the World, Kyoto University, Kyoto, Hirakawa, Kayo, 2016.
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