O cadeiral da igreja de São Bento da Vitória, Porto


O cadeiral do coro-alto da igreja de São Bento da Vitória é constituído por um conjunto de cinquenta e um assentos, dispostos em duas filas com a cadeira abacial ao centro, com elaboradas misericórdias e espaldares que cobrem toda a parede, até à cornija da abóbada.

O coro-alto, onde os monges se dedicavam à recitação e canto da Liturgia das Horas, é um dos locais nobres dos mosteiros beneditinos. A utilização de madeira de qualidade, artisticamente trabalhada foi uma das formas de dignificar e solenizar o ofício divino, como é bem patente em São Bento da Vitória.

O cadeiral foi realizado entre 1716 e 1719 em madeira de jacarandá vinda directamente do Brasil, por Marceliano de Araújo (c. 1680-1769) e encastoamento em talha por Gabriel Rodrigues de Landim (1719). Foi dourado em 1759 pelo artista portuense Manuel Homem Soares.

O grandioso cadeiral, em talha polícroma, é possivelmente o maior e o mais rico de Portugal. Nos espaldares, preenchendo praticamente as paredes do coro, encontram-se uma série de trinta e dois painéis, em relevo sobre madeira, em talha dourada e policromada, divididos por molduras, profusamente entalhadas. Trinta destes painéis retratam episódios da vida de São Bento, inspirados nas descrições contidas no II Livro dos Diálogos do Papa São Gregório Magno.

Os seus milagres, já em vida, relatados por São Gregório, estão ligados em grande parte à vida quotidiana e tiveram - e ainda têm – impacto no culto popular.

Os artistas conseguiram, de um modo muito expressivo e original, com imensa vivacidade e imaginação criadora, descer a pormenores peculiares da vida e dos milagres do grande santo patriarca.

 

No registo inferior, os painéis são rectangulares, representando a partir do lado esquerdo:

(1) Nascimento de São Bento

(2) Recuperação do crivo partido

(3) São Bento na gruta e a campainha quebrada pelo demónio

(4) A ceia pascal de São Bento

(5) A tentação nas silvas

(6) Os dois primeiros discípulos Mauro e Plácido

(7) A foice retirada do lago

(8) Mauro caminha sobre as águas

(9) O pão envenenado levado pelo corvo

(10) O incêndio diabólico na cozinha

(11) O demónio na pedra de construção

(12) O emissário de Tótila caído no chão

(13) Tótila prostra-se aos pés de São Bento

(14) São Bento revela um pensamento de orgulho a um monge que o assistia

 

No registo superior, os painéis, octogonais na sua maior parte, representam:

(15) Os sacos de farinha

(16) São Bento tem a visão do raio de luz

(17) O monge sepultado que a terra não aceitava

(18) O monge tentado a fugir

(19) O rústico maniatado que só com o olhar de São Bento ficou solto

(20) A talha vazia que se encheu de azeite

(21) Os monges que tomaram alimento fora do mosteiro

(22) As duas monjas que, pelas suas palavras injuriosas, após a morte, foram reconciliadas graças à intercessão do Santo

(23) Ressurreição do filho de um aldeão

(24) (não identificado)

(25) O irmão do monge Valentiniano tentado a comer pelo caminho

(26) Os soldos miraculosos

(27) Colóquio de São Bento e Santa Escolástica

(28) Féretro e sepultura de Santa Escolástica

(29) São Bento morre de pé no oratório amparado pelos seus monges

(30) Cura de uma demente na gruta de São Bento

 

Os painéis centrais, na parede do fundo representam (A) A entrega da Regra a monges e monjas e, no registo superior, (B) São Bento com vestes prelatícias, enquadrado por dois anjos e a legenda De celo offertur tibi non alteri.

São Bento nasceu em 480, em Núrsia na Itália central, filho de um nobre romano. Foi para Roma estudar retórica e filosofia e, desagradado com a vida dissoluta que encontrou, abandonou a cidade e estabeleceu-se em Afide.

Em 504, partiu para Subiaco, decidindo levar uma vida de eremita. A sua fama de santidade atraiu numerosos visitantes.

Em 512, fundou doze mosteiros, dispersos pelo vale de Anio, perto de Subiaco, e, em 528, o grande mosteiro de Montecassino, que viria a ser o fundamento da expansão da Ordem Beneditina, e onde, possivelmente em 541, escreveu a célebre Regra - Regula Monachorum. Morreu em 547, sendo sepultado em Montecassino.

A vida de São Bento foi redigida por São Gregório Magno em 592, quando as recordações do santo fundador ainda estavam muito vivas na memória do povo. O II Livro dos Diálogos de São Gregório é a principal fonte de informação sobre a vida do santo patriarca.

Considerado o fundador do monaquismo ocidental, São Bento exerceu, com a sua vida e a sua obra, uma influência fundamental no desenvolvimento da civilização e da cultura europeias, tornando-se indirectamente, nas palavras do Papa São João Paulo II, o pioneiro de uma nova civilização.

São Bento é representado, quer como jovem monge, quer como abade venerável, envergando o hábito negro da Ordem, por vezes a Mitra, e tendo na mão a Regra e o Báculo. Há outros atributos que identificam o santo, nomeadamente o corvo e o crivo, em memória dos seus milagres.

As duas festas litúrgicas de São Bento são: a 21 de Março, a Festa do Trânsito ou da morte, liturgicamente ligada ao ciclo agrário da Primavera; e 11 de Julho, a Festa da Trasladação das Relíquias e de São Bento Padroeiro da Europa.

Em Portugal, a história do seu culto remonta aos alvores da nacionalidade, por acção dos monges beneditinos que promoviam a sua intercessão entre as gentes dos coutos dos seus mosteiros e das terras foreiras. No Norte adquiriu um culto fortemente popular, com inumeráveis capelas e ermidas que lhe são dedicadas, associadas às festividades litúrgicas em sua honra.

 

REFERÊNCIAS:

    • DIAS, Geraldo Coelho, Hagiografia e Iconografia Beneditinas, Os “Diálogos” do Papa S. Gregório Magno, Via Spiritus: Revista de História da Espiritualidade e do Sentimento Religioso. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1996. N.º 3 p.7-24.
    • O MOSTEIRO DE SÃO BENTO DA VITÓRIA 400 anos, Porto, Edições Afrontamento, 1997.
    • BENTO XVI, São Bento de Núrsia, Audiência Geral, Quarta-feira, 9 de Abril de 2008. https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2008/documents/hf_ben-xvi_aud_20080409.html (consultado em Maio de 2024)


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