Os lampadários da capela de Nossa Senhora do Rosário na Sé (Faro)


A capela de Nossa Senhora do Rosário na Sé de Faro tem dois lampadários suportados por peculiares figuras de negros, possivelmente únicos em Portugal.

São admiráveis esculturas, datáveis do final do século XVII ou princípio do século XVIII. Estas originais figuras de meninos pretos, estão representados em atitude de veneração, ajoelhados, envoltos numa charpa clara, a contrastar com o negro da pele. Seguram um lampadário dourado e assentam sobre mísulas em talha também dourada, sustentadas por atlantes.

Encontram-se adossados às pilastras do arco da capela, antiga sede da Irmandade e Confraria de Nossa Senhora do Rosário, a assinalar a antiga ligação à comunidade negra da localidade.

A Confraria do Rosário da igreja de Santa Maria de Faro era já referida em 1554, no Auto da Visitação da Ordem de Santiago, à qual a igreja pertencia. Era constituída por homens brancos e pretos, e celebrava a sua festa principal no dia 1 de Outubro, pelo menos desde 1681. D. Simão da Gama (1642-1715), protector da Confraria, reedificou a capela durante o seu bispado, sendo provavelmente dessa época estes peculiares meninos negros, alusivos à Confraria.

Os Estatutos da Irmandade e Confraria de Nossa Senhora do Rosário da Sé de Faro foram aprovados em 29 de setembro de 1600, pelo Bispo do Algarve D. Fernando Martins Mascarenhas (1548-1628).

A confraria estava aberta a cativos, embora estes não pudessem assumir responsabilidades na confraria, pelas dificuldades inerentes ao seu estatuto. Facilitava aos escravos e aos libertos a integração e promoção social na comunidade.

A população de origem africana no Algarve era, nos séculos XV e XVI, muito numerosa. Desde 1444, data em que aportou a Lagos a primeira vaga de cativos negros, a percentagem desta população foi crescendo, e também, simultaneamente, a sua participação nas Confrarias.

As Confrarias do Rosário, com origem na devoção do Rosário, difundida principalmente pela Ordem de São Domingos, foram instituídas com carácter aberto. Segundo os Estatutos, podiam admitir homens, mulheres, grandes, pequenos, pobres, ricos, velhos, moços, livres, escravos, eclesiásticos e seculares e também os defuntos.

A confraria não exigia inicialmente qualquer contribuição, e permitia o acesso a cativos e libertos, uma excepção no conjunto das associações piedosas do tempo. Atraiu de modo particular a população negra, que viu na protecção da Igreja, sob a égide do Rosário de Nossa Senhora, uma forma de defenderem os seus anseios e se integrarem na comunidade.

Faro manteve a natureza mista da confraria, de brancos e pretos, contrariamente ao ocorrido noutras agremiações semelhantes em Portugal e mesmo no Algarve.

 

REFERÊNCIAS

  • FONSECA, Jorge, SABOIA, João, Os Negros de Faro e a Confraria de Nossa Senhora do Rosário, Anais do Município de Faro, Vol. 31-32, Faro, Câmara Municipal de Faro, 2003, pp. 112-131.
  • Exposição Na Rota das Catedrais – Construções [d]e Identidade. 28 de Junho -30 de Setembro, Palácio Nacional da Ajuda, Lisboa, 2018.
  • SANTOS, Marco Sousa, Memória da comunidade escrava na arte produzida no Algarve da Época Moderna, Meridional, Revista de Estudos do Mediterrâneo, Instituto de Cultura Ibero Atlântica Sul, Sol e Sal, Loulé, Dezembro 2021, pp. 10-22.

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