A Romaria da Senhora d’Abadia de Muquém (Goiás, Brasil)
A história da Romaria de Muquém tem uma origem incerta, com um grande número de versões. A mais provável está ligada à exploração do ouro na região de Goiás.
Segundo a tradição, junto ao arraial de São José de Tocantins, em Goiás, no início do século XVIII, existia um quilombo – o quilombo de Muquém - local de refúgio de escravos fugidos. À procura de cativos para as minas, veio um feitor que prometeu fazer uma capela dedicada ao santo do dia – como era costume entre os portugueses -, caso os capturasse pacificamente; como de facto o alcançasse no dia 21 de Dezembro, construiu e dedicou a capela a São Tomé – que, no anterior calendário litúrgico, se festejava nesse dia.
Em 1747, os moradores de São Tomé de Muquém pediram e alcançaram do Bispo do Rio de Janeiro, D. António do Desterro Malheiro Reimão (1694-1773) licença para usarem a pia baptismal do pequeno templo.
Ao redor da Capela de São Tomé, desenvolveu-se o arraial de Muquém, que atraiu aventureiros, mineiros e mercadores vindos da região paulista e também de Portugal.
Entre estes aventureiros, contava-se António Antunes, natural das terras do Bouro, da região de Entre-Douro-e-Minho. Ao descobrir minas de ouro na região e recusando-se a pagar o quinto do ouro como estava ordenado pela lei, acabou por ser denunciado às autoridades. Em tal aflição, pediu a intercessão de Nossa Senhora da Abadia, invocação de particular devoção no Norte de Portugal, prometendo colocar uma sua imagem na capelinha de São Tomé, caso escapasse sem multa e sem castigo.
Sendo atendido, cumpriu a promessa. Após longa viagem às terras do Bouro, trouxe uma imagem da Senhora da Abadia que chegou a Muquém por volta do ano de 1748, acompanhada de um grande número de famílias piedosas.
A população começou a festejar Nossa Senhora da Abadia no dia 15 de Agosto, festa da Assunção da Virgem Maria, tal como se celebrava em Portugal, com peregrinação penitente e romaria.
A intensa devoção do povo e a fama da poderosa intercessão de Nossa Senhora da Abadia em todas as aflições, propagou-se e chegou aos mais afastados recantos das províncias mineiras. A romaria, que se desenvolveu por volta de 1750, tornou-se uma das maiores festas religiosas do Brasil.
Em 1822, acorriam ao Santuário de Nossa Senhora da Abadia de Muquém, durante o período da romaria – entre finais de Julho e 15 de Agosto – centenas de peregrinos vindos de regiões muito distantes.
No final do século XIX, por iniciativa dos peregrinos de Água Suja – actual cidade de Romaria - que percorriam a longa distância até Muquém todos os anos, surgiu um outro santuário dedicado à Senhora da Abadia, actualmente também com uma grandiosa romaria.
Em 1954, no centenário da definição dogmática da Imaculada Conceição, a veneranda imagem da Senhora da Abadia de Muquém foi levada em imponente procissão a pé até Goiana, com entusiasmo indescritível.
Actualmente, a antiga capelinha de São Tomé já não existe. Foi substituída por um grandioso Santuário, destinado a acolher os milhares de peregrinos que ali acorrem, vindos das mais diversas regiões do Brasil.
Os romeiros fazem longos percursos durante o período da romaria. Vêm rezar, pedir ou agradecer graças concedidas pela intercessão da Virgem Maria. A rota mais percorrida para chegar ao Santuário tem cerca de 45 km, a partir de Niquelândia, e é trilhada a pé por muitos peregrinos.
A maioria dos romeiros monta uma grande tenda no recinto do Santuário e permanece durante todo o período da festa, o que concede a esta peregrinação um particular sentido comunitário e de reencontro entre famílias.
A coroação de Nossa Senhora é a cerimónia final da Romaria de Muquém. A Coroação da Virgem entre os Anjos e Santos celebra-se liturgicamente no dia 22 de Agosto, muito unida à Festa da Assunção. As duas festividades sempre foram complementares na história da Igreja. Em Muquém, como no Bouro, a tradição mantém-se.
No Santuário, a imagem de Nossa Senhora da Abadia é o centro de convergência dos peregrinos. Representa a Virgem Maria, coroada, com o Menino Jesus ao colo sobre o braço esquerdo – tal como a imagem das terras do Bouro em Portugal.
A invocação foi mantida, estando ligada à sua origem: o Santuário da Senhora da Abadia no Norte de Portugal, esteve sob os cuidados dos monges cistercienses do Mosteiro de Santa Maria do Bouro onde a devoção a Nossa Senhora da Assunção, celebrada a 15 de Agosto, sempre foi muito viva, como em todos os mosteiros cistercienses.
No Brasil, e especialmente no chamado Triângulo Mineiro, a devoção a Nossa Senhora da Abadia desenvolveu-se enormemente e expandiu-se.
A primeira capela sob esta invocação foi construída em Jandaíra, na Baía, seguindo-se Goiás (a partir de Muquém), Minas Gerais e estendendo-se por todo o país. São inumeráveis as capelas, igrejas, paróquias com esta invocação.
Nossa Senhora da Abadia é a padroeira da diocese de Goiás.
REFERÊNCIAS
- SANTOS, Januário dos, NO BRASIL Dois santuários à Senhora-da Abadia, in A Voz da Abadia, de 10 de Março de 1988, p.3.
- FRANZIN, Aldemir, Romaria de Muquém: Perfil e Motivações dos Romeiros, Pontifícia Universidade Católica De Goiás, Faculdade Serra Da Mesa, Programa De Pós-Graduação Stricto Sensu Em Ciências Da Religião, Mestrado Interinstitucional, Uruaçu, 2018
- FERNANDES, Fernando, Da Abadia ao Brasil, Boletim Cultural de Amares, nº 2, Amares, Dezembro, 2020
- https://www.youtube.com/watch?v=yvo0BqyWCo4 - Nossa Senhora da Abadia: o início da devoção no distrito de Muquém e em Portugal (visualizado em 06.11.24)
Adicionar comentário
Comentários