Nossa Senhora da Pérsia versus Nossa Senhora da Vida, Lisboa


Nossa Senhora da Pérsia

A imagem de Nossa Senhora da Pérsia, da igreja da Graça, é proveniente, provavelmente, de um dos edifícios religiosos estabelecidos em Ormuz. Quando se deu a queda desta Praça em 1622, as igrejas foram profanadas, sendo destruídas a generalidade das imagens. Uma destas, que escapou à destruição, foi levada por um mouro para Ispaão, capital da Pérsia, onde foi vendida a um mercador também mouro, e aí conservada durante alguns anos.

Havia hum Mouro mercador em a Cidade de Haspam, no Reyno da Persia, o qual tinha na sua logea, ou tenda, havia doze anos uma Imagem de nossa Senhora […]. Veyo esta Santa Imagem às mãos daquelle Mouro depois da perda de Ormuz, que succedeo no anno de 1622. (1)

A imagem foi resgatada em 1634 pelo Pe. Frei Francisco Ribeiro, Prior do convento agostinho em Ispaão, que a levou para Goa, onde foi restaurada. Nesta cidade, foi realizado um especial tabernáculo em talha dourada.

De Goa, seguiu para o Reino em 1644, trazida pelo mesmo Pe. Frei Francisco Ribeiro, na sua viagem de regresso a Portugal. Foi entronizada solenemente no dia 25 de Março de 1645, na capela de Santa Ana da igreja da Graça.

Chegando o Prior de Haspão ao Convento de Nossa Senhora da Graça de Lisboa, tratou logo de collocar a Santa Imagem em parte, donde se lhe desse todo aquelle culto, & veneração, que se lhe devia, em satisfação dos desacatos, que na Persia padecera. Collocou-a no Altar de Santa Anna sua gloriosa Mãy (no anno de 1645) […] & como naquelle Altar não havia Imagem de vulto, ficou ella no meyo do Altar tam Senhora da Capella, que já hoje se não nomea de Santa Anna, mas a Capella de nossa Senhora da Persia. (1)

Começou a ser venerada pelo povo, que a invocou também como Nossa Senhora a Cativa ou Nossa Senhora do Resgate, por ter estado durante muitos anos em poder dos mouros.

Em 1654, foi instituída, na igreja do convento da Graça, a Irmandade de Nossa Senhora da Pérsia, por iniciativa também de Frei Francisco Ribeiro.

O Compromisso da Irmandade registou a existência de duas imagens de N. Sra com q. os Mouros fazião grandes galhofas, zombando dos christãos, q. veneravão por deos figuras de pau, e pedra: e assi reputavão estas S.tas imagens por ídolos (2). Também no Compromisso se encontra uma admirável iluminura com a representação de Nossa Senhora da Pérsia.

Frei Agostinho de Santa Maria referiu esta imagem na sua capela na igreja da Graça, sendo magestosa & grande e estando em hum tabernáculo dourado de talha muyto miúda feito na índia […]. He esta S. Imagem de madeira; de escultura,& estofada; tem perto de três palmos; tem o Menino Jesus sobre o braço esquerdo; he trigueirinha, mas de muyto lindo, & engraçado rosto (1).

Em 1755, entre as várias ruinas, não há menção desta imagem com o título Nossa Senhora da Pérsia. Num inventário do século XIX, é referida uma escultura expressamente identificada como sendo a mesma que veio da Pérsia […], e a maquineta de madeira dourada por dentro, em que veio da India a Senhora (2).

Nas primeiras décadas do século XX, perdeu-se o rasto da imagem associada à queda de Ormuz. O título de Nossa Senhora da Pérsia foi dado à imagem de Nossa Senhora da Vida, e o seu registo em 1976, perpetuou a troca de invocações.

Segundo estudos recentes, a escultura original, proveniente de Ormuz e resgatada em Ispaão, não foi entretanto localizada e identificada de forma segura.

 

Nossa Senhora da Vida versus Nossa Senhora da Pérsia

Na igreja da Graça, a invocação da Virgem Maria como Nossa Senhora da Vida tem origem numa capela instituída cerca de 1580 pelo Pe. Bartolomeu Vaz de Lemos, na antiga igreja lisboeta de Santo André: capela da Senhora da Vida onde se venera hüa muyto devota Imagem da excelsa Rainha da Gloria cõ este titulo, com a qual toda a gente desta grande Cidade tem muyto grande devoção, a qual ' a Senhora augmenta com as continuas maravilhas que obra (3).

A imagem foi descrita por Frei Agostinho de Santa Maria: a Senhora he de excellente escultura, & da proporção natural de huma perfeytissima mulher, & assim será mais de sete palmos. Sobre o braço esquerdo tem ao soberano Menino Deos, cujas roupas saõ da mesma escultura da madeyra de que he formado. (…) A Senhora està com huma cabeleyra loura (…) (3).

A capela tinha um notável retábulo de azulejos, dedicado a esta invocação, actualmente no Museu Nacional do Azulejo.

O terramoto de 1755, que provocou bastantes estragos na igreja de Santo André, preservou no entanto esta capela. A imagem da Senhora da Vida foi retirada dos escombros, entre as ruínas do templo. Teve provavelmente uma intervenção de restauro na segunda metade do século XVIII.

A igreja de Santo André foi encerrada em 1835 e todos os objectos considerados de valor, incluindo a escultura de Nossa Senhora da Vida, foram entregues à igreja da Graça, sede da nova paróquia de Santo André e Santa Marinha. A imagem foi colocada na capela do Santíssimo Sacramento, onde se terá mantido até às primeiras décadas do século XX. Em 1938, encontrava-se na capela de topo do cruzeiro, existindo também uma outra escultura na base do altar com a invocação de Nossa Senhora da Pérsia, segundo publicação contemporânea (4).

Em 1976, esta imagem foi indevidamente registada com o título de Nossa Senhora da Pérsia, no inventário artístico do Patriarcado de Lisboa, perpetuando-se a troca até à actualidade.

A Virgem está vestida de vermelho debruado a ouro e um grande manto em tons de azul, também debruado a ouro. Tem o Menino Jesus no braço esquerdo e ambos estão coroados. Na base encontram-se pequenos querubins.

 

(1) SANTA MARIA, Frei Agostinho de, OESA, Frei, Santuário Mariano e Historia das Imagens Milagrosas de Nossa Senhora (...), Tomo 1, Lisboa, Na Officina de António Pedrozo Galrão,1707, p. 157-161.

(2) SALDANHA, Sandra Costa, “Dinâmicas religiosas num espaço de fronteira = Religious Dynamics in a frontier zone” in Os Portugueses no Golfo 1507-1650 Uma História Interligada, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2023, p. 226-230.

(3) SANTA MARIA, Frei Agostinho de, OESA, Frei, Santuário Mariano e Historia das Imagens Milagrosas de Nossa Senhora (...), Tomo 7, Lisboa, Na Officina de António Pedrozo Galrão,1707, p. 71-75.

(4) RIBEIRO, Mário de Sampayo, “A Igreja e o Convento de Nossa Senhora da Graça de Lisboa”, Olisipo, Lisboa, nº 6, Abril de 1939, p. 75.

 

REFERÊNCIAS

  • RIBEIRO, Mário de Sampayo, “A Igreja e o Convento de Nossa Senhora da Graça de Lisboa”, Olisipo, Lisboa, nº 6, Abril de 1939.
  • AZEVEDO, Carlos Moreira, Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho em Portugal (1256-1834), edição crítica da Colecção de Memórias de Fr. Domingos Vieira, OESA, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, Centro de Estudos de História Religiosa, 2011.
  • SALDANHA, Sandra Costa, “Dinâmicas religiosas num espaço de fronteira = Religious dynamics in a frontier zone” in Os Portugueses no Golfo 1507-1650 Uma História Interligada, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2023.

 


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