
A urna de Afonso de Albuquerque, o Leão dos Mares
Afonso de Albuquerque nasceu, provavelmente, na Quinta do Paraíso, em Alhandra, cerca de 1460. Educado na corte de D. Afonso V, cresceu e travou amizade com o príncipe D. João, futuro rei. Acompanhou este príncipe nas guerras contra Castela, tendo participado na Batalha de Toro (1476).
Em 1503, foi enviado à Índia, a sua primeira expedição a esta região. Obteve permissão em Cochim para construir uma fortaleza portuguesa, primeiro assentamento europeu na Índia e ponto de partida para a expansão do império no oriente. Regressou ao reino em 1504, sendo bem recebido por D. Manuel I.
Antes de partir novamente para a Índia, em 1506, além de legitimar seu filho Brás de Albuquerque, fez testamento, instituindo capela na sala do capítulo do Convento da Graça, onde estavam sepultados seu pai, Gonçalo de Albuquerque, e seu bisavô, Gonçalo Lourenço de Gomide.
(...) de minha vontade he que se digão e cantem todos os dias missa na capela onde jaz meu vizabô e meu Pay (...), a qual se dirá pela alma de meu Pay que na dita capela (na casa do capítulo) jaz minha May e por mim, e por todos tres dirá a dita missa (...) e sahirá com responso sobre a cova de meu pai e nos encomendará a nós todos três (1).
Partiu para a Índia a 6 de Abril de 1506, no percurso tomando várias localidades nomeadamente Socotra e Ormuz. Chegou a Cananor em Dezembro de 1508 e, a 25 de Novembro de 1510, dá-se a tomada de Goa. É a partir de Goa, que toma Malaca onde estabelece a administração portuguesa.
Afonso de Albuquerque dedicou-se à Índia, na administração e diplomacia, a consolidar e embelezar Goa, a receber embaixadas… Não interferiu nas tradições locais, com excepção do sati, a prática de imolação das viúvas, que proibiu. É durante a sua governação que os portugueses chegam ao Sul da China e às cidades do Mar Vermelho.
Em Goa, a Roma dourada, mandou edificar a igreja de Nossa Senhora da Serra, em agradecimento por se ter salvo com a sua nau de uns “baixios” no Mar Vermelho.
A 1 de Novembro de 1515, fez o último testamento, deixando determinado que os seus ossos fossem trazidos para Portugal. Decidindo voltar, embarcou no Flor da Rosa. Morreu, à saída do porto de Goa, na noite de 15 de Dezembro de 1515.
Foi levado a sepultar na igreja de Nossa Senhora da Serra em Goa, amortalhado no hábito de Santiago, segundo seu desejo. Os seus restos foram recolhidos numa urna de pedra, e venerados pelo povo, segundo fontes contemporâneas.
Era ali que, por vezes, os indígenas se reuniam junto do seu túmulo para implorar o favor e protecção do herói, quando fossem oprimidos injustamente pelos seus sucessores (2)
Percurso dos restos mortais de Afonso de Albuquerque
A configuração do túmulo original de Afonso de Albuquerque não é conhecida. Os restos mortais do grande governador foram desleixados pelo seu sucessor. Lopo Soares de Albergaria teria mandado demolir a igreja de Nossa Senhora da Serra, o que foi impedido por petição de Pero de Albuquerque, segundo Gaspar Correia.
Brás de Albuquerque (1500-1580) esforçou-se para que os restos de seu pai fossem levados para o Convento da Graça, segundo os desejos expressos no testamento.
A 6 de Abril de 1566, chegaram a Lisboa os restos mortais do grande Afonso de Albuquerque, decorridos 50 anos após a sua morte. Foram conduzidos com grande solenidade à igreja da Misericórdia, onde se conservaram até serem ultimadas as obras na capela-mor da igreja da Graça. A 18 de Maio, o ataúde foi trasladado para a igreja da Graça, com grande pompa, incorporando-se enorme assistência do clero e da fidalguia e a gente do povo era tanta que não cabia nas ruas (1).
Foi colocado na capela-mor, onde Brás de Albuquerque conseguira, com grande despesa, que ficassem em jazigo especial.
Um manuscrito da Biblioteca Nacional de Lisboa inclui na Relação de alguns letreiros notáveis de sepulturas, o seguinte:
O grande Aº de Albuquerque capitão geral e governador da índia estribeiro mor del Rei D. João 2º depois de tão raros e soberbos feitos faleseo em guoa e de laa forão trazidos seus osos, à capela mor de nossa Srª da Grasa de lisboa onde jas hu tão valeroso e esforsado capitão. (1)
Em 1635, o jazigo de Afonso de Albuquerque foi retirado da capela-mor, por cedência deste espaço aos testamenteiros do Conde da Ericeira D. Diogo de Menezes, pelos religiosos gracianos. Os restos mortais foram entregues a D. Jorge Manuel, herdeiro de Afonso de Albuquerque, que os levou para a Azeitão, segundo nota anexa ao manuscrito da Biblioteca Nacional:
Ja estes ossos não estão nesta capella. Entregarãose a D. Jorge Manoel f.º de D. Jeronimo Manoel o bacalháo de alcunha q dizem os leuou pª azeitão e ahi (…) (1)
Foram possivelmente colocados na igreja de São Simão, anteriormente edificada por Brás de Albuquerque.
No terramoto de 1755, perdeu-se-lhes o rasto.
Em 1857, o Dr. Levy Maria Jordão (1831-1875), vereador da Câmara Municipal de Lisboa, propôs fazer-se um jazigo condigno para as cinzas de Afonso de Albuquerque. Procedeu às respectivas buscas na antiga Casa do Capítulo do Convento da Graça, onde se cria na altura terem lá permanecido, nada encontrando.
A urna de D. Afonso de Albuquerque
Em 1811, a igreja de Nossa Senhora da Serra na Velha Goa, já muito arruinada, foi demolida. A antiga urna do grande Afonso de Albuquerque foi descoberta pelo Dr. Luís Gonçalves (1875-1956), no adro da Sé de Goa, quando se realizavam arranjos no mesmo adro, em 1894. Foi removida e transportada para a Sociedade de Geografia de Lisboa, pelo Governador-Geral da Índia, Rafael Jácome de Andrade, onde se guarda actualmente.
A urna foi descrita pelo notável jurista goês, Dr. Luís Gonçalves, num estudo publicado em 1896 O túmulo de Afonso de Albuquerque.
A urna é de pedra, quadrangular, de grande dimensão: tem 45 cm de altura, 57 cm de largura e 114 cm de comprimento, com faces de 7 cm de espessura, e a tampa tem uma forma de pirâmide truncada. Está apoiada em quatro suportes, dois deles decorados com cabeça de leão.
Tem epitáfio nas quatro faciais, alusivo aos feitos de Afonso de Albuquerque no Oriente:
AQUI IAZ O MVITO MA(N)IFICO SENHOR Aº DALBVQVERQ(E) FILHO DE GONÇALO DE ALBOQVERQVE E DE DONA LIANOR DE MENESES SEGVNDO CAPITAM (M)OR DA YMDIA ESFORCADO CA VALRO QUE NESTA(S) PARTES FEZ ASINADOS SERVICOS A ELREI DOM MANVEL SEV SENHOR (Q)VE O CA MANDOV SAM ESTE(S) GANHOU ESTA CIDADE AOS MOVROS DVAS VEZES POR FORCA DARMAS E DA SEGVNDA A (S)OSTEVE E DEFENDEO GANHOV O (R)EINO DORMUZ GANHOV O REINO DE MALACA FOI EM AIVDA DO FAZIMENTO DA FORTALE(Z)A DE COCHIM DEV EM CALECV(T) CHEGOV AS CASAS DEL REI DEV COMBATE EM ADEM FOI O PRIMEIRO CAPITAM QVE EMTROV O MAR ROXO (A)TE CAMARAM PELEJOV OVTRAS VEZES POR SERVIÇO DO SEV REI COMO LEAL VASALO QVE ERA. MORREO DE EDADE SESSENTA E CINQVO ANOS ERA DE 1515 NO MÊS DE DEZEMBRO A 15 DO DITO MÊS
Num dos lados, encontra-se uma área obliterada, onde poderia ter estado o Brasão de Armas de Albuquerque.
- SALES, Ernesto, A Igreja da Graça Jazida de Quatro Governadores da Índia, Olisipo, Lisboa, Ano X, nº 40, Outubro 1947, pp. 215-216,
- SALDANHA, Gabriel, História de Goa, Nova Goa, Casa Editora Livraria Coelho,1926 pp. 145-147
REFERÊNCIAS
- SALES, Ernesto, A Igreja da Graça Jazida de Quatro Governadores da Índia, Olisipo, Lisboa, Ano 10, nº 40, Outubro 1947.
- BOUCHON, Geneviève, Afonso de Albuquerque, o Leão dos Mares da Ásia, Lisboa, Quetzal Editores, 2000.
- MOÁS, Ana Cardoso Maia, Afonso de Albuquerque and the Consumption of Material Culture in the Indian Ocean (1506-1515), Dissertação de Mestrado em História de Arte Moderna, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 2016.
- https://museu.socgeografialisboa.pt/objectos/urna/ (consultado a 15 de Janeiro de 2025).
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