A Igreja Paroquial de Santo Agostinho a Marvila (Lisboa)


Nesta página: 

I . História do convento de Marvila

II . Uma descrição da igreja

III . Os painéis de azulejo do coro-baixo

IV . A Ordem do Santíssimo Salvador ou das Brígidas

V . Santa Brígida da Suécia

VI . Santo Agostinho, padroeiro da paróquia

 

I . HISTÓRIA DO CONVENTO DE MARVILA

O convento de Marvila foi fundado em 1660 por Fernão Cabral, arcediago da Sé de Lisboa, e entregue às religiosas da Ordem do Santíssimo Salvador, ou Brígidas, como mais vulgarmente são chamadas, a instâncias da primeira religiosa portuguesa daquela Ordem, Madre Brígida de Santo António.

O convento e a respectiva igreja foram solenemente sagrados a 19 de Março de 1660, sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição. As obras só ficaram concluídas em 1680, e para elas contribuíram, além de Fernão Cabral, D. Isabel Henriques, que aí se recolheu quando viúva, e sua filha Juliana Maria de Santo António. 

O terramoto de 1755 arruinou especialmente o convento. No final do século, a instituição debateu-se com falta de meios (1), mas teve ainda grandes campanhas de obras de restauro.

As ordens religiosas foram extintas em 1834, mas as religiosas permaneceram no convento até à sua supressão em 1872, tendo a igreja sido fechada em 1873. 

Em 1932, a igreja foi reaberta ao culto, pertencendo à jurisdição dos Olivais até à criação, em 1959, da actual Paróquia de Santo Agostinho de Marvila.

O edifício conventual foi adaptado a asilo, sendo até 2020 uma instituição assistencial, com a designação de Mansão de Santa Maria de Marvila.

 

(1) As freiras, privadas de pecúlio para sobreviver, passam a confeccionar os famosos Pastelinhos de Marvila



II . UMA DESCRIÇÃO DA IGREJA

A igreja ocupa uma parte do antigo convento. Os dois corpos laterais em U, rodeiam o pátio que dá acesso à igreja e ao antigo convento. Destacam-se no topo das fachadas os painéis de azulejos com cenas da vida de Santa Brígida semelhantes a algumas pinturas do interior. 

Adossada à fachada lateral direita está a antiga sacristia, com portal com a pedra de armas do arcediago Fernão Cabral, a quem se deve a edificação do convento.

Uma porta lateral, da autoria de Vicente dos Santos, datada de 1725, dá acesso à igreja. No friso superior, estão esculpidas as armas da Ordem com a inscrição VENI CORONABERIS (Vem e serás coroada, Ct 4,8)

O interior deslumbra pelo admirável conjunto entre a talha dourada, os grandes painéis azulejares, os embutidos de mármore...

Destaca-se na capela-mor o retábulo em talha dourada, atribuído a José Rodrigues Ramalho (c. 1660-1721), presidido pela imagem de Nossa Senhora da Conceição, orago do antigo Convento, datada de 166; está ladeada pelas imagens de Santa Brígida e de Santo Agostinho, padroeiro actual da igreja. 

No fecho do retábulo, encontra-se a imagem de Cristo Salvador do Mundo – referência à Ordem do Santíssimo Salvador –, ladeada por dois anjos. 

Fecha a tribuna uma grande tela amovível de Bento Coelho da Silveira (1620-1708) representando Cristo a dar a comunhão aos Apóstolos e à Virgem. 

Na parte inferior do retábulo e no frontal do altar, destacam-se também os embutidos de mármores policromos. 

O sacrário, que não é o original, é também em talha dourada.

Nas paredes laterais, encontram-se dois grandes painéis de embutidos. A cartela central, decorada com folhas de acantos, apresenta do lado direito uma inscrição: DONNA IZABEL ENRIQUES MVLHER Q FOI DE DIOGO LOPES TORRES FIDALGO DA CAZA DE S MGDE MANDOV FAZER ESTA OBRA A SVA CVSTA ANNO DE 1690; e do lado esquerdo o brasão de armas da família.

A talha dourada, com seis carrancas de cada lado, confere um tom exótico a toda a decoração.

Quatro telas da autoria de Bento Coelho da Silveira representam cenas da vida de Santa Brígida: Nascimento, Visão Mística, Entrega da Regra da Ordem Brigitina e Enterro. 

O pavimento é também com embutidos de calcário, encontrando-se ao centro uma pedra tumular com inscrição: SEPULTURA DO ARCEDIAGO DA SÉ DE LISBOA, FERNÃO CABRAL, FUNDADOR DESTE CONVENTO.

O presbitério tem dois altares laterais, em talha dourada, o da esquerda com notáveis imagens de Santa Ana e a Virgem, São Joaquim e São José; o da direita está actualmente dedicado a Nossa Senhora de Fátima. Cartelas com símbolos da Paixão – escada, lança, cravos - rematam os retábulos.

A nave apresenta revestimento azulejar, de admirável efeito em contraste com a talha dourada, atribuído ao monogramista P.M.P. São grandes painéis figurativos com cercaduras muito decoradas. 

Duas séries de pinturas, possivelmente de António Pereira Ravasco (c.1660-1712.), revestem as paredes. 

Na inferior estão representadas cenas da vida de Santo Agostinho: Conversão, Baptismo, Encontro entre Santo Agostinho e Valério, Santo Agostinho na Praia, Presidência às Reuniões Conciliares, Santo Agostinho Doutor da Igreja, Sagração, Morte e Glorificação.

A série superior representa cenas da fundação da Ordem Brigitina: Revelações de Nossa Senhora a Santa Brígida, Peregrinações, Visão de Santa Brígida, Revelações sobre a Imaculada Conceição, Aprovação das Constituições da Ordem e Milagres de Santa Brígida. 

Ainda na parede do fundo, encontra-se A Lamentação de Cristo, tema muito próprio da espiritualidade brigitina.

O púlpito está também revestido a talha dourada.

A abóbada, parcialmente destruída pelo terramoto, foi reconstituída posteriormente. No medalhão central, está representada Nossa Senhora da Conceição, primeira invocação da igreja e do convento.

Sobre o pórtico da entrada, encontra-se uma pequena pintura com dois pares de querubins: os do lado esquerdo seguram símbolos da Paixão; os do lado direito apontam para a legenda central Normam Augustini Brigidae Complectitur Ordo. Ordo est Coelituum nam sua norma Salus (A Ordem de Santa Brígida contém a Regra de Santo Agostinho. A Ordem e também a sua Regra levam à Salvação dos Céus).

No coro-baixo, dois grandes painéis de azulejo alusivo ao Cântico dos Cânticos, revestem as paredes laterais (vd descrição).

O tecto apresenta uma Adoração da Sagrada Eucaristia, repetindo os motivos da tela do altar-mor e incluindo símbolos eucarísticos. Data da edificação da igreja e é da autoria de Francisco Ferreira de Araújo (act. 1657­1701).

Destacam-se também várias pinturas de temática brigitina, enquadradas em talha dourada, de Bento Coelho da Silveira: Aparição de Cristo à Virgem, Visão de Santa Brígida, Nossa Senhora da Conceição, Cristo recolhendo as vestiduras após a Flagelação, O Regresso da Sagrada Família do Egipto, A Ordem de Santa Brígida. Nossa Senhora da Piedade está atribuída a Maria Guadalupe Cardenas (1630-1715).

Dois admiráveis retábulos em talha dourada ladeiam a porta que dava acesso ao antigo convento. Destacam-se as imagens de Nossa Senhora da Conceição, São Vicente Ferrer, São Francisco e São Pedro de Alcântara. Na parte inferior, encontram-se embutidos os antigos arcazes da sacristia, em pau-santo. No pavimento, são visíveis as pedras tumulares de D. Isabel Henriques e de sua filha D. Juliana Maria de Santo António, patrocinadoras do convento e da igreja.

Na antiga sacristia, actual capela mortuária, encontra-se ainda uma lápide na parede referente ao patrocínio de D. Isabel Henriques:

D IZABEL ENRIQVES MVLHER Q FOI DE DIOGO LOPES TORRES FIDALGO DA CAZA DE S MAG DE MANDOV FAZER ESTA OBRA A SSVA CVSTA E DEIXA 4 CAPELOIS COM 4 MISSAS CVTIDIANAS PELA S ALMA E DE CEV MARIDO E CEVS FOS ANNO 1690



III . OS PAINÉIS DE AZULEJO DO CORO-BAIXO 

As paredes do coro-baixo estão revestidas com admiráveis painéis de azulejos inspirados no Cântico dos Cânticos, de António de Oliveira Bernardes (1662-1732). O rodapé está atribuído ao Mestre P.M.P.

A primeira cena refere-se ao canto da amada, sugerido pelo toque da harpa e pela inscrição EACMÆ AVDIRE VOSEM TVAM – «Faz-me ouvir a tua voz» (Ct 2, 14). 

A segunda cena alude à vitória do amor sobre todas as vicissitudes: AQUA MULTA NON POTUERUM EXTINGERE CHANTATE TVO – «As muitas águas não poderiam apagar este amor» (Ct 8, 7); 

Na terceira cena, há uma clara referência à liberdade do amor: NESVSCITETIS NEQ EVIGILA REFACIATIS DILECTAM DONEC IPSA VELIT – «Não perturbeis nem acordeis o amor antes que ele o queira» (Ct 2, 7).

No segundo painel, continuam cenas figurativas alusivas ao amor humano e divino, identificadas pela respectiva inscrição: FRVCTVS EIVS DVLCIS GVTVRI MEO - «O seu fruto é-me doce ao paladar» (Ct 2, 3); FLORES APARUERUNT IN TERRA NOSTRA – «Apareceram as flores na nossa terra» (Ct 2, 12); VVLNERAVERVNT METVLERVNT PALIVM MEVM MIHI CVSTODES – «Acharam-me os guardas que rondavam pela cidade» (Ct 5, 7).

Na tradição cristã, o Cântico dos Cânticos tem várias interpretações. A mais comum considera o diálogo entre a noiva e o noivo uma alegoria do amor de Deus pela Igreja. Uma segunda interpretação alude à união de Cristo com cada alma na Eucaristia, razão pela qual a sua representação está muitas vezes associada a símbolos eucarísticos. Uma terceira interpretação associa o seu conteúdo à Virgem Maria, Esposa do Espírito Santo. 

O tema aparece em Portugal nos séculos XVII e XVIII, muito relacionado com o culto mariano, e com acentuado carácter pastoril.


IV . A ORDEM DO SANTÍSSIMO SALVADOR OU DAS BRÍGIDAS

A Ordem do Santíssimo Salvador foi fundada em 1346 por Santa Brígida. Ao primeiro convento, edificado em Wadstena, na Suécia, seguiram-se numerosos mosteiros por toda a Europa. Dizimados pelas perseguições dos séculos XVI e XVII, foram suprimidos num grande número de países, tendo os religiosos e religiosas procurado refúgio em várias regiões da Europa. 

As religiosas brígidas chegaram a Lisboa em 1594, originárias de Inglaterra. Instalaram-se primeiro no Mocambo, onde ficaram conhecidas como as Inglesinhas. Posteriormente fundaram um convento em Marvila, quando a Ordem contava já com muitas religiosas portuguesas. 

Permaneceram em Portugal mais de 200 anos, abandonando o país na sequência do decreto governamental de supressão das ordens religiosas, publicado em 1834. 

Actualmente existem conventos brigitinos em todo o mundo.

A Ordem religiosa das Brígidas, como também é conhecida em atenção à sua fundadora, é essencialmente contemplativa, caracterizando-se pela devoção à Eucaristia, à Paixão de Cristo e à Santíssima Virgem. 

O hábito brigitino distingue-se pelo véu negro com coroa adornada de cinco pedras vermelhas, alusivas às Chagas de Cristo.

 

Referências:

  • LIMA, Luís Caetano de, C.R. 1671-1757, - Breve relação da fundação e progressos do insigne Mosteiro de N.S.ra da Conceição de Marvilla de Religiosas Portuguesas da Ordem de Sancta Brizida, 1732.
  • SÃO PEDRO, Maria Madalena de, Notícias fielmente relatadasdos custosos meios por que veio a este Reyno de Portugal a Religião Brigitana, que se intitula a ordem de São Salvador, e da prodiogiosa fundação e milagrosos argumentos deste convento de Nossa Senhora da Conceição de Marvila..., Lisboa, Officina de Miguel Manascal da Costa, Impressor do Santo Ofício, 1745.
  • MATOS, José Sarmento de, PAULO, Jorge Ferreira, Caminho do Oriente. Guia Histórico, Lisboa, 1999. 
  • SERRÃO, Vítor, História da Arte em Portugal - o Barroco, Barcarena, Editorial Presença, 2003.

V . SANTA BRÍGIDA DA SUÉCIA (C. 1303-1373)

Santa Brígida nasceu na Suécia, por volta de 1303. Teve nove filhos do seu casamento com Ulf Gudmarson, de ascendência nobre, tendo ficado viúva em 1344.

Ficaram célebres as revelações que teve, respeitantes essencialmente à fundação de uma ordem religiosa - Ordem do Santíssimo Salvador -, à situação da Igreja e a Nossa Senhora, ao Nascimento de Jesus e à Sua Paixão.

Em 1349 mudou-se para Roma, onde permaneceu até à sua morte em 1373.

Santa Brígida percorreu em peregrinação vários Santuários da Europa, rezando insistentemente pela aprovação da sua Ordem e, principalmente, pela unidade da Igreja. Num período muito conturbado da história europeia, teve um papel importantíssimo na coesão das várias cortes, manifestando uma especial dedicação ao Santo Padre.

Morreu a 23 de Julho de 1373, em Roma. 

Foi canonizada a 7 de Outubro de 1391, e declarada padroeira da Suécia. 

Em 1999, foi proclamada co-padroeira da Europa pelo Papa São João Paulo II que se lhe referiu como “testemunha do empenho pela unidade dos cristãos numa época complexa e difícil da história da Igreja e da Europa”.

Santa Brígida é geralmente representada com o hábito da Ordem que fundou. 

A sua memória comemora-se a 23 de Julho. 

Na igreja de Marvila, encontram-se várias representações de Santa Brígida, nomeadamente nas séries de pinturas da capela-mor e da nave.

 

Referências:

  • Vie de Sainte Brigitte de Suède écrite par une Religieuse de l’Adoration Perpétuelle, Paris Librairie Saint-Joseph, Libraire-Éditeur, 1879
  • JOÃO PAULO II Celebração das Vésperas no VII Centenário do Nascimento da Co-Padroeira da Europa Santa Brígida da Suécia (4 de Outubro de 2002)
  • BENTO XVI, Santa Brígida da Suécia, Audiência Geral (27 de Outubro de 2010)

VI . SANTO AGOSTINHO (354-430)

Santo Agostinho nasceu a 13 de Novembro de 354 em Tagaste, no Norte de África. 

Homem de grande inteligência, pesquisador apaixonado da verdade, teve uma vida inquieta e atribulada até à sua conversão, aos 32 anos. Após o seu baptismo foi para Tagaste, tendo sido ordenado sacerdote em 391. Em 395 foi consagrado Bispo em Hipona, sede onde permanece durante 34 anos. 

Enquanto Bispo, presidiu a diversos concílios africanos, lutando infatigavelmente contra os erros e as muitas heresias que iam surgindo ou ressurgindo. 

Estabeleceu igualmente um conjunto de normas e práticas adequadas à vida religiosa, conhecido como Regra de Santo Agostinho, que esteve na origem de muitas regras monásticas, entre as quais a Brigitina. 

Os seus inumeráveis escritos, de grande profundidade filosófica e teológica, tiveram importância fundamental na história do cristianismo e na cultura ocidental. 

Santo Agostinho morreu em 28 de Agosto de 430, em Hipona. Foi proclamado Doutor da Igreja em 1298 pelo Papa Bonifácio VIII.

É representado geralmente como bispo, com a mitra e o báculo, com um coração inflamado e um livro na mão. 

A nave da igreja de Marvila integra uma série de grandes pinturas dedicadas à vida de Santo Agostinho.


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