Santuário de Nossa Senhora da Penha de França, Lisboa


Nesta página: 

I . História

II . Descrição

III . Nossa Senhora da Penha de França

IV . Os Ex-votos da Penha de França

 

I . HISTÓRIA

A primitiva ermida de Nossa Senhora da Penha de França foi construída no local então chamado Cabeço do Alperche, em terrenos cedidos por Afonso de Torres Magalhães. A primeira pedra – tendo esculpidas as palavras Jesus Maria Avante - foi lançada no dia 25 de Março de 1597, Festa da Anunciação da Virgem. A imagem de Nossa Senhora da Penha de França deveu-se a António Simões, artista de talha, em cumprimento de um voto feito em Alcácer Quibir. 

No ano seguinte, iniciou-se a famosa Procissão do Ferrolho por ocasião da grande peste que deflagrou em Lisboa, e a fundação da Irmandade dos Fidalgos e Marítimos. 

Em 1603, a Ermida foi doada aos Eremitas de Santo Agostinho do vizinho Convento de Nossa Senhora da Graça. No ano seguinte iniciou-se a construção do novo Convento e ampliação da Ermida, segundo projecto do arquitecto régio Teodósio de Frias (c. 1555-1634). As obras terminaram em 1635, com uma notável procissão para a entrada solene da imagem no novo templo. O trono da veneranda imagem na capela-mor, foi realizado em 1650 pelos irmãos marceneiros António Vaz de Castro e Lourenço Coelho. Para a edificação contribuiu também António Cavide, notável secretário de D. João IV, que doou grande parte dos seus bens para a conclusão do templo e que aí mandou edificar em 1667 o seu túmulo.

Em 1754 realizou-se uma grande campanha de renovação da igreja, da qual apenas resta a Sacristia e a chamada Casa dos Milagres. O terramoto de 1755 provocou danos consideráveis na igreja, com a queda das abóbadas, destruindo muito do que estava construído, e atingindo mortalmente mais de 300 pessoas. A veneranda imagem, recuperada dos escombros, quase intacta, foi guardada numa casa fronteira à igreja, ficando registada a memória do sucedido num painel de azulejo.

Em 1756 foi iniciada a reconstrução, segundo projecto do arquitecto Aires da Cunha numa primeira fase, com intervenção posterior de Caetano de Sousa (1742-1802). A reedificação ficou concluída em 1788, por empenho de D. Pedro de Meneses, 4º Marquês de Marialva (1713-1799), e dos mareantes da Nau Nossa Senhora da Ajuda, conforme inscrição na lápide à entrada da igreja.

A partir de 1808, no contexto das invasões francesas, a zona conventual serviu para alojamento de militares, a que se seguiu, em 1820, o Regimento de Infantaria 12, ficando na posse do Ministério da Guerra a partir de 1833. Com o decreto de extinção das Ordens Religiosas em 1834, ficou o edifício parcialmente ao abandono, perdendo-se considerável património que integrava o conjunto monumental.

No início do séc. XX, após um grande restauro dirigido pelo Engenheiro Alberto Monteiro, a igreja reabriu ao culto em 1909. Entre 1929 e 1932, foram demolidas as antigas casas dos romeiros, quando se construiu o Depósito da Companhia das Águas, com infra-estrutura hidráulica que utilizou a cisterna do antigo convento.

Em 1937, a igreja foi constituída sede da nova Paróquia de Nossa Senhora da Penha de França.

A igreja e o edifício do antigo Convento de Nossa Senhora da Penha de França – onde actualmente se encontra instalado o Comando-Geral da Polícia de Segurança Pública -, foram classificados como Monumento de Interesse Público em 2017.



II . DESCRIÇÃO

O conjunto arquitectónico da igreja e convento de Nossa Senhora da Penha de França foi erigido numa das colinas de Lisboa, com uma das vistas mais deslumbrantes sobre a cidade e arredores. O antigo Convento dos Agostinhos do lado esquerdo, confere ao conjunto grande monumentalidade.

A fachada principal, com três arcos e elegante escadaria de acesso, tem ao centro, sobre a janela com varandim, o escudo da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho. Na fachada posterior, destaca-se a torre sineira e o grande painel de azulejos, representando O Milagre de Nossa Senhora da Penha de França, contemporâneo da reconstrução do templo, atribuído a Francisco Jorge da Costa (1749-1829) e recentemente restaurado (2023). 

Na galeria de acesso com escadaria divergente em dois lanços, destacam-se as lápides, sobre a balaustrada, com inscrição em português e em latim, referindo as doações feitas para a reconstrução do frontispício do templo em 1788 por D. Pedro de Meneses e pelos Navegantes da Nau Nossa Senhora da Ajuda.

 

À Mãe de Deus Virgem Maria

Sob o feliz título de Penha de França Benigna e misericordiosíssima benfeitora,

este novo templo, destruído no grandíssimo terramoto no ano de 1755,

sob os auspícios régios, e com os donativos dos navegantes do mar e contribuições devotas,

principalmente do Marquês de Marialva, Pedro II,

foi construído o novo e magnífico edifício em honra do que é devido aos

Eremitas Agostinhos e a eles entregue, no ano do Senhor de 1788.

 

O interior da igreja, de grande luminosidade e harmonia, tem estrutura octogonal, com rico revestimento de mármores polícromos em tons de azul, branco, rosa e verde.

Na nave, os altares laterais estão inseridos em arcos de volta perfeita, sendo do lado direito os altares do Sagrado Coração de Jesus, com imagem de São João Baptista, Santo de grande veneração neste templo; de Nossa Senhora do Livramento, de antiga devoção dos mareantes, com belíssima imagem da Virgem, em madeira estofada e policromada e de Nossa Senhora do Rosário; do lado esquerdo os altares de Nossa Senhora da Piedade com imagem da mesma invocação e, na base uma imagem de São José; do Imaculado Coração de Maria e de Nossa Senhora do Carmo, com imagens destas invocações.

A série de pinturas, sobre os altares laterais, representa Passos da Vida da Virgem e estão atribuídas ao pintor algarvio Diogo Magina (c. 1766): A Imaculada Conceição, A Apresentação da Virgem, Os Desposórios, A Anunciação, A Visitação e A Morte de Nossa Senhora.

Na nave destacam-se também duas majestosas tribunas ladeando o coro-alto; janelas com balaustres intercalando as pinturas; imagens de Santo António e da Sagrada Família sobre peanhas laterais e dois púlpitos semicirculares com base marmórea.

O tecto tem representado o Milagre de Nossa Senhora da Penha de França, o Cordeiro Místico sobre o Livro dos 7 selos, com legenda inscrita – ECCE AGNUS DEI, e o escudo da Real Irmandade de Nossa Senhora da Penha de França, pintura por José Maria Pereira Júnior e P. Guedes, datada de 1903. 

Na Capela-mor, o notável retábulo, do arquitecto Caetano de Sousa (1742-1802) e do entalhador António Nunes Colares, tem no remate uma coroa em talha dourada - atributo de Nossa Senhora. Nas paredes laterais encontram-se as esculturas monumentais de São Pedro e São Paulo, cópias de Machado de Castro (1731-1822); e duas telas representando O Nascimento de Nossa Senhora e a Assunção da Virgem, também de Diogo Magina. O tecto está pintado com figuras de anjos com símbolos marianos.

No Camarim da Virgem, preside a veneranda imagem de Nossa Senhora da Penha de França - a primitiva segundo a tradição -, em grandiosa maquineta de talha dourada, tendo no remate a Pomba – símbolo do Espírito Santo. A imagem encontra-se entronizada sobre magnífica peanha de mármore com embutidos. Nos silhares de azulejo das paredes laterais do camarim estão representadas várias invocações marianas - Torre, Poço, Rosa, Palma.... No tecto, o monograma central M está rodeado de querubins.

A ante-sacristia, antiga Casa dos Milagres ou dos Votos, uma das salas não afectada pelo terramoto, está revestida de painéis azulejares policromos (c. 1660), com belíssimos motivos decorativos envolvendo a cartela central com o brasão da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho. 

Destaca-se no topo da sala, o imponente túmulo com arcossólio, em mármore, de António de Cavide – benfeitor da igreja - e de sua mulher D. Mariana Antónia de Castro. Encontra-se também exposto na parede, o chamado Lagarto da Penha, cópia do existente antes do terramoto, que, juntamente com a cobra, alude ao mencionado Milagre. 

Uma grande e significativa colecção de Ex-votos, na sua maioria expressão da devoção dos navegantes, está exposta nas paredes laterais.

Na sacristia, esplêndido conjunto azulejar, polícromo (c. 1640-1650), também anterior ao terramoto, reveste as paredes. Destaca-se também o monumental lavabo, peça única em mármore em forma de concha; o armário dos amitos, de António Vaz de Castro e Lourenço Coelho (1650), o arcaz, bem como o belo pavimento marmoreado.

No coro-alto, totalmente revestido de mármores, preside um grande Crucifixo. Nas salas anexas, existem séries de azulejos historiados sobre Passos da Vida de Santo Agostinho; e Cenas da Vida da Virgem, da segunda metade do séc. XVIII.



III . NOSSA SENHORA DA PENHA DE FRANÇA

Esta invocação de origem castelhana, está ligada à descoberta de uma imagem da Virgem em 1434, soterrada no cume de uma montanha perto de Ciudad Rodrigo, na província de Salamanca, local chamado Peña de Francia.

Em Portugal, a devoção deve-se originariamente a António Simões que, em Alcácer Quibir, prometeu a Nossa Senhora que, se voltasse à Pátria, lhe dedicaria imagens de diferentes invocações. Ao regressar, cumpriu a promessa, dando o título de Nossa Senhora da Penha de França à última imagem, por sugestão do Padre Inácio Martins.

A devoção popular desenvolveu-se rapidamente. A partir de 1599, alguns acontecimentos vieram intensificar o culto à Virgem da Penha de França. Estando Lisboa assolada pela peste, o Presidente da Câmara Municipal D. Gil Eanes (1543-1612) com todo o Senado recorreram à Senhora, prometendo fazer anualmente uma procissão de penitência. Esta é a origem da famosa Procissão do Ferrolho, realizada todos os anos a 5 de Agosto, e assim chamada pelo costume de chamar os fiéis batendo nos ferrolhos das portas. Nossa Senhora da Penha de França foi nesse ano invocada como Protectora de Lisboa. 

Também no mesmo ano, D. Jerónimo Coutinho - Capitão da Armada da Carreira da Índia -, com a ameaça da peste que deflagrou nos navios em pleno alto mar, recorreu a Nossa Senhora da Penha de França. Fez voto de formar uma Irmandade em que toda a tripulação se inscreveu, sendo o próprio capitão o primeiro Juiz. Assim se iniciou a ilustre Irmandade de Nossa Senhora da Penha de França, também chamada dos Fidalgos e Marítimos, constituída inicialmente apenas por mareantes e tendo com Juiz o Capitão-mor das Naus da Índia. 

Nossa Senhora da Penha de França era um dos últimos santuários de Lisboa que os mareantes viam à partida e um dos primeiros a ser avistado à chegada. Era comum levarem em cada viagem uma imagem da Senhora da Penha de França, invocada em situações de perigo no alto mar.

Esta devoção estendeu-se a todo o mundo levado pelas caravelas dos descobridores portugueses, ao Brasil, Índia, Macau, Timor… A existência de numerosos ex-votos de agradecimento nas igrejas e ermidas desta invocação confirmam a confiança dos navegantes na Virgem como especial Protectora.

É também citado, desde época remota, o Milagre do Lagarto da Penha. Segundo a tradição um romeiro vindo de longe teria adormecido no sopé da Serra e foi acordado por um grande lagarto, evitando assim que uma cobra o mordesse, atribuindo o facto à poderosa intercessão da Senhora da Penha de França. O animal foi empalhado e conservado na igreja até 1739, depois substituído por outro de madeira entalhada, desaparecido aquando do terramoto; finalmente foi entalhado o actual, exposto sobre a porta da sacristia. O Lagarto da Penha está associado particularmente à devoção neste local.

Ao Santuário de Nossa Senhora da Penha de França concorriam romeiros e círios vindos de longe. Um dos mais importantes foi o círio das Palmelôas, partindo de Cabanas perto de Palmela. 

Iconograficamente, Nossa Senhora da Penha de França é representada com coroa, ceptro na mão direita, e com o Menino – também coroado – no braço esquerdo. O atributo do lagarto apenas aparece na iconografia de origem portuguesa.

A Festa litúrgica de Nossa Senhora da Penha de França é celebrada a 8 de Setembro, Festa da Natividade.


IV . OS EX-VOTOS DA PENHA DE FRANÇA

A grande devoção dos mareantes evidencia-se nos inúmeros ex-votos - pequenas pinturas representando o agradecimento pelas graças alcançadas. Uma notável colecção, enriquecida durante séculos, encontra-se exposta na chamada Casa dos Milagres ou dos Votos, maioritariamente dos séculos XVIII e XIX. Um significativo conjunto de ex-votos desta colecção encontra-se também no Museu da Marinha.

Um dos mais conhecidos ex-votos refere-se à Nau Nossa Senhora da Ajuda: em 1778 quando navegava da Baía para Lisboa, a nau foi desmantelada por um temporal, tendo os tripulantes que se salvaram, prometido vir em penitência ao Santuário da Penha de França. Além de contribuírem substancialmente para as obras de restauro da igreja, trouxeram uma reprodução da nau e um ex-voto alusivo ao milagre, actualmente no Museu da Marinha.

 

Referências:

  • ARAÚJO, Fernando Augusto José de, Notícia Histórica da Veneranda Imagem da Nossa Senhora da Penha de França offerecida à Sua Real Irmandade por um devoto da mesma Senhora, Lisboa, Typographia Eduardo Roza, 1903.
  • AZEVEDO, Carlos Moreira, Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho em Portugal (1256-1834), Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2011.
  • DENIS, M. Fernando, Portugal Pitoresco ou Descrição Histórica deste Reino, Vol. IV, Lisboa, 1849.
  • DUARTE, Maria José Guerreiro, Penha de França: 400 anos do Santuário, 80 da freguesia, Olisipo, S.2, nº 7, Dez. 1998, pp. 47-51.

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