Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, Luanda


Nesta página: 

I . Contexto Histórico do lugar

II . História da igreja de Nossa Senhora dos Remédios

III . Descrição

IV . Nossa Senhora dos Remédios: culto e iconografia

 

I . CONTEXTO HISTÓRICO DO LUGAR

No início do século XVI, existia apenas uma paróquia em Luanda, com sede na igreja de Nossa Senhora da Conceição, na Cidade Alta. Na antiga Rua da Praia, havia uma pequena ermida dedicada ao Espírito Santo, junto à baía, na Cidade Baixa.

Devido ao grande desenvolvimento da zona, foi criada, em 1626, com sede na pequena ermida do Espírito Santo, a segunda Paróquia de Luanda, pelo Bispo D. Francisco Soveral (1626-1642). Teve como orago São Pedro Gonçalves, Confessor (ou São Pedro Telmo), padroeiro dos homens do mar, e por isso também designada igreja do Corpo Santo.

Após a ocupação holandesa, em 1679, a ermida encontrava-se arruinada, tendo sido transferida a paróquia para a igreja de Nossa Senhora dos Remédios, entretanto construída.

A pequena ermida do Espírito Santo foi restaurada, benzida e reaberta também em 1679, com o título de Corpo Santo. Tinha a respectiva Irmandade constituída pelos homens do mar. Em 1895, a igreja ainda se encontrava aberta, mas em mau estado de conservação. Foi demolida em 1908, dando origem a um Largo – actual Largo do Atlético.

A área tornou-se um dos locais mais importantes de Luanda pela proximidade da baía, sendo ponto de reunião da população e um dos mais antigos sítios de mercado da cidade.



II . HISTÓRIA DE IGREJA DE NOSSA DOS REMÉDIOS

A igreja de Nossa Senhora dos Remédios foi construída cerca de 1655, junto à baía, por iniciativa dos comerciantes e gente do mar. Foi aberta ao culto no dia 15 de Agosto de 1667.

Em 1679, foi constituída sede da Paróquia de Nossa Senhora dos Remédios da Praia, por D. Manuel da Natividade (1675-1885), em cerimónia solene a que assistiu todo o clero, o Senado da Câmara e muito povo.

No período seguinte, a Irmandade do Santíssimo Sacramento recorreu à ajuda real, principalmente para prover a igreja das alfaias litúrgicas indispensáveis ao culto. Na primeira metade do século XVIII, a igreja beneficiou de importantes legados de beneméritos, nomeadamente do pároco Pe. Luís Baines.

Em 1745, foi um dos locais escolhidos para as Conferências Eclesiásticas, de preparação dos clérigos, instituídas pelo bispo da Diocese de Angola e Congo, D. Frei António do Desterro (1740-1745), evidenciando a grande importância da paróquia na cidade de Luanda.

Em 1828, a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios foi elevada a catedral, substituindo a primitiva Sé – igreja de Nossa Senhora da Conceição – entretanto encerrada ao culto por ameaçar ruína.

No final do século XIX, encontrava-se em estado muito degradado, tendo também sido encerrada ao culto em 1876.

A reconstrução foi demorada e o restauro profundo, tendo sido introduzidas alterações que modificaram a traça original: a fachada barroca foi simplificada, as torres sineiras encimadas por torreões com lanternim, a capela-mor ampliada, e o tecto sustentado por armação de ferro. Foi reaberta solenemente em 15 de Agosto de 1897.

Em 1940, foi constituída sede da Igreja Catedral Metropolitana de Luanda, criada pela Bula Sollemnibus Conventionibus do Papa Pio XII, com o título de São Salvador e de Nossa Senhora dos Remédios, em memória da antiga diocese. D. Moisés Alves de Pinho (1932-1966) foi nomeado primeiro Arcebispo de Luanda.

A igreja foi classificada em 1949 como Monumento de Interesse Público, pelo importante valor patrimonial histórico e cultural.

Em 1986, a Sé foi transferida para a igreja de Jesus, por D. Alexandre do Nascimento (1986–2001) – actualmente cardeal Emérito -, permanecendo como sede da Paróquia de Nossa Senhora dos Remédios. Mantém-se na zona ainda a Travessa da Sé, uma herança do passado recente da zona.

Em 1999, realizou-se a trasladação dos restos mortais de D. Moisés Alves de Pinho, para a antiga Catedral, segundo vontade sua expressa em testamento (…) na Sé onde longos anos pontificou, admirado e amado pelo povo, do qual nem depois da morte se quis separar.

A histórica igreja de Nossa Senhora dos Remédios, antiga Sé Catedral de Angola e Congo, onde foram sagrados grande parte dos Bispos das dioceses angolanas fundadas ao longo dos séculos XIX e XX, continua uma referência incontornável da herança religiosa e cultural da cidade de Luanda.



III . DESCRIÇÃO

A venerável igreja de Nossa Senhora dos Remédios, está situada na Cidade Baixa, junto à Baía, no local de antigo comércio portuário.

O amplo adro frontal, tem canteiros ajardinados com frondosas palmeiras e gradeamento com pilaretes decorados com a Cruz de Cristo.

A fachada principal, restaurada em 1897, é especialmente harmoniosa. Pintada de branco com cunhais sublinhados a ocre, termina em empena curva com aletas laterais e cruz ornada com resplendor. Os três portais estão encimados por altas janelas de varandim e óculo circular. Várias inscrições atestam a antiguidade do monumento e o seu valor patrimonial.

As torres sineiras, importante referência da cidade de Luanda, têm no remate tambor e lanternim. Na torre esquerda, encontra-se o relógio; na base da torre direita, ainda subsiste a antiga Tabela dos toques de incêndio – segundo edital de 1839, servia para alertar o local do fogo, frequente numa época em que grande parte das construções da cidade tinha telhados de colmo.

O interior é amplo, bem iluminado e de grande originalidade.

No subcoro encontra-se o baptistério, com painel de azulejos – possivelmente dos finais do século XIX -, representando o Baptismo de Cristo, e notável pia baptismal em pedra, do século XVII.

À entrada da nave encontram-se duas pias de água benta, esculpidas à semelhança da pia baptismal.

A nave é percorrida, na parte superior, por duas singulares tribunas com guardas em ferro forjado, decoração que se repete nos dois púlpitos e no coro alto.

Do lado esquerdo, encontra-se a capela de Nossa Senhora de Fátima, com altar de mármore e pormenores em talha dourada.

O arco triunfal tem no remate o brasão real com coroa, e lateralmente as imagens de São Pedro e São Paulo, sobre pedestais com inscrições: TU ES PETRUS ET SUPER HANC PETRAM AEDFICABO ECCLESIAM MEAM S. Mat. XVI 18 – Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja Mt, 16, 18; e PAULUS VOCATUS APOSTOLUS JESU CHRISTI PER VOLUNTATEM DEI Ep 1 ad Cor I,1 – Paulo, chamado a ser Apóstolo de Jesus Cristo, por vontade de Deus Cor. I, 1.

Na capela colateral do lado direito, preside a veneranda imagem de Nossa Senhora dos Remédios – padroeira da igreja -, em altar de mármore com baixos relevos.

Do lado esquerdo encontra-se a capela do Sagrado Coração de Jesus, também com altar de mármore e decoração semelhante.

No topo da nave, estão duas lápides sepulcrais com inscrições, nomeadamente de Francisco Barroso (m. 1682), que muito contribuiu para a fundação desta igreja; e de Maria Fernandes Lopes falecida em 1821.

Na capela-mor, destaca-se o retábulo neo-gótico, em talha policroma, rematado por templete com coruchéu e cruz latina. O sacrário, ao centro, está enquadrado por arcadas torreadas e grandiosos Anjos músicos no remate lateral. Na base encontra-se um singular grupo escultórico policromado, representando a Última Ceia.

A abóbada tem, ao centro, símbolo eucarístico – custódia – e, lateralmente, cartelas com estuques relevados representando os Evangelistas e os respectivos atributos: do lado direito, São Lucas e São João, e, do lado esquerdo, São Marcos e São Mateus.

De destacar ainda o impressionante crucifixo na parede lateral esquerda, imagem de grande devoção com marcas da passagem do tempo.

Numa capela do anexo lateral, encontra-se a sepultura de D. Moisés Alves de Pinho, último Bispo da Diocese de Angola e Congo e primeiro Arcebispo da Diocese de Luanda.

Na sacristia destaca-se o lavabo em pedra, com inscrição ANO DOMINI. 1686 LAVAMINI ET UM[N]DI [E]STOTE ISA. CAP. I – Ano do Senhor 1686 Lavai-vos e ficareis purificados Isaías, Cap. I [16].

No coro alto, as janelas de varandim e o óculo circular, filtram a luz exterior, iluminando de modo particular todo o interior da igreja.


IV . NOSSA SENHORA DOS REMÉDIOS: HISTÓRIA DO CULTO E ICONOGRAFIA

A invocação de Nossa Senhora dos Remédios teve origem na Ordem da Santíssima Trindade, fundada nos finais do século XII por São João da Mata e São Félix de Valois. Tinha por missão principal o resgate dos prisioneiros, nomeadamente os cativos cristãos que se encontravam sob o domínio dos mouros.

A invocação surgiu com São João da Mata (1160-1213) que, não tendo, em determinada ocasião, a quantia necessária para o resgate dos cativos, recorreu à Virgem. Segundo a tradição, Nossa Senhora apareceu-lhe entregando uma bolsa de moedas – remédio para a situação em que se encontrava.

Esta invocação passou também a abranger o resgate ou libertação de todo o tipo de males, e a constituir a medicina mais eficaz para curar todas as doenças da alma e do corpo.

Sob invocação de Nossa Senhora dos Remédios, multiplicaram-se ermidas e capelas, e foram erigidos grandes santuários em África, no Brasil e na Índia.

Nossa Senhora dos Remédios é representada com o Menino ao colo e, na iconografia mais antiga, com uma bolsa na mão direita – alusão ao resgate dos cativos. Nas representações posteriores tem coroa – Rainha do Céu -, como na imagem desta igreja.

A Nossa Senhora dos Remédios - padroeira da antiga Sé de Luanda – acorrem, desde os inícios da cidade, inumeráveis devotos, invocando a poderosa protecção da Mãe do Céu.

 

Referências

  • GABRIEL, D. Manuel Nunes, Padrões da Fé - As igrejas antigas de Angola, Luanda, Edição da Arquidiocese, 1981.
  • MATTOSO, José (dir.) - Património de Origem Portuguesa no Mundo, arquitectura e urbanismo: África, Mar Vermelho e Golfo Pérsico. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.
  • JACOB, Berta Maria Oliveira, A Toponímia de Luanda – das memórias coloniais às pós-coloniais, Dissertação de Mestrado, Lisboa, Universidade Aberta, 2011.
  • MARIZ, Vera Félix, A “memória do império” ou o “império da memória” a salvaguarda do património arquitectónico português ultramarino (1930-1974), Dissertação de Doutoramento, Lisboa, Universidade de Lisboa, 2016

 

Nota: Texto e Fotografia: ACDA (Associação de Cultura e Desenvolvimento de Angola)


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Comentários

Mª da Conceição Navarro Machado
6 meses atrás

Baseado num estudo cuidadoso e muito atualizado, este é um trabalho de grande interesse que artístico e histórico. Permite-nos conhecer e fruir esteticamente. Muito obrigada.


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