A igreja matriz de Nossa Senhora do Pranto, Vila Nova de Foz Côa
Nesta página:
I . História
II . Descrição
III . A pintura do tecto da nave central
IV . O políptico quinhentista da capela-mor
V . Nossa Senhora da Pranto: culto e iconografia
I . HISTÓRIA
A cristianização da região da Riba-Côa é muito anterior à nossa nacionalidade, existindo vestígios datados do período romano. Pertencente à Diocese de Lamego, desenvolveu-se à volta da igreja de São Pedro de Numão, que está na origem dos templos de toda a região.
No século XIII, foi construída na Veiga a igreja dedicada a Santa Maria, pertencente ao padroado real e considerada a primitiva paroquial. Em 1299, o foral de D. Diniz (1261-1325) englobava já a Vila Nova com a igreja de Santa Maria da Aldeia Nova, construída junto ao castelo.
A actual igreja, foi mandada edificar por D. Manuel (1469-1521) no início do século XVI sob invocação de Nossa Senhora do Pranto. A igreja permaneceu como simples reitoria anexa a Santa Maria da Veiga, só obtendo o título de matriz depois de concluída. São dessa época o pórtico frontal e o retábulo quinhentista dedicado à Paixão de Cristo.
O terramoto de 1755 provocou alguns danos no edifício, entre os quais a inclinação dos arcos torais, ainda visíveis actualmente. A igreja foi restaurada e ampliada em 1757, sendo abade o Pe. António Esteves Pereira; o retábulo-mor foi substituído pelo actual, em talha, e realizada a cobertura das naves.
A passagem das invasões francesas (c. 1810) foi especialmente marcante na região, com saque e furto das igrejas, e a fuga da população espavorida.
A igreja foi classificada como monumento nacional em 1910.
Entre as décadas de 50 e 70 do século XX, foram realizadas várias obras de conservação. Em 1999 realizou-se o restauro do antigo políptico da capela-mor, devolvendo-lhe o cromatismo inicial.
A igreja, com notável herança de um património material e imaterial, mantém vivo o culto secular a Nossa Senhora do Pranto e à Paixão de Cristo, que culmina nas singulares cerimónias da Semana Santa.
II . DESCRIÇÃO
A igreja matriz de Vila Nova de Foz Côa é considerada um dos mais belos monumentos do Norte de Portugal, e nomeadamente da diocese de Lamego, à qual pertence. Ergue-se no centro da cidade, numa ampla praça que integra um belíssimo conjunto arquitectónico do qual fazem parte o pelourinho manuelino e o edifício dos Paços do Concelho.
A fachada da igreja matriz é considerada uma das mais belas composições quinhentistas de Portugal.
O pórtico, em arco pleno de cinco arquivoltas, de bases altas, está decorado com motivos manuelinos: rosetas, palmetas, vieiras, cordame.
É presidido por Nossa Senhora do Pranto, orago da igreja, escultura em pedra de Ançã, do século XVI.
Dois escudos reais, encimados por coroas, ladeiam a imagem, bem como duas esferas armilares encimadas, respectivamente, pela Cruz de Avis e a Cruz de Cristo, alusivas a D. Manuel. Separados da rosácea, encontram-se dois frisos decorados com querubins e motivos vegetalistas.
Na empena elevada, o campanário com três sineiras tem intercalados quatro medalhões circulares com bustos à maneira renascentista, em alto-relevo, possivelmente representando os Profetas Maiores (Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel), uma referência, segundo alguns, à presença de judeus nesta comunidade,. A cornija está decorada com uma laçaria manuelina.
No cunhal Sul, encontra-se uma inscrição referente à remodelação do século XVIII: ESTA OBRA SE FES NO ANNO DE 1757 SENDO ABBAĐ DESTA IGREJA ANTONIO ESTEVES PRA [PEREIRA].
O interior é amplo, bem iluminado, com três naves demarcadas por altas colunas de granito, que se encontram levemente inclinadas, evidenciando os efeitos do grande terramoto de 1755.
À entrada, do lado esquerdo, sob o grande coro, está colocada a pia baptismal, em granito.
Destaca-se a admirável pintura do tecto, em perspectiva, tanto na nave central como nas laterais, alusiva à edificação da igreja, casa de Deus, e à Paixão de Cristo. Data de 1767, da remodelação feita pelo Abade António Esteves Pereira, segundo inscrição na própria pintura.
Ao longo das naves laterais, estão pintadas as catorze estações da Via Sacra, desde o arco triunfal até ao coro-alto. Duas inscrições aludem à autoria e data: «Forão pintados estes paços pela mao de» «= Antonio Pinto, e Souza 1767».
As naves têm três altares laterais, com retábulos de talha dourada e policromada: à direita, o altar de São Miguel, com imagem do arcanjo em madeira estofada, trabalho português do século XVIII, e uma peculiar figuração das Almas na parte inferior; à esquerda, o altar de Nossa Senhora das Dores, com escultura, segundo consta, de José Ferreira Thedim, e o altar do Coração de Jesus.
No arco triunfal, encontra-se o altar de Nossa Senhora do Rosário, com notável escultura portuguesa do século XVI em pedra de Ançã policromada; e o altar de Nossa Senhora das Graças, escultura de meados do século XIX.
O púlpito, oitavado e integrado numa das colunas da nave, é uma bela obra em granito, assente em pedestal.
Na capela-mor, o magnífico retábulo em talha dourada, do século XVIII, tem cinco pares de colunas e está encimado pelo escudo real. O sacrário é de grande dimensão, com belíssimo trabalho também em talha dourada, e porta com decoração inspirada na Arca da Aliança guardada por anjos, como refere o Antigo Testamento.
Na parte superior do retábulo, estão dois admiráveis conjuntos escultóricos em madeira policromada do século XVII: Nossa Senhora do Pranto, padroeira da igreja, e a Santíssima Trindade.
O antigo políptico quinhentista que reveste actualmente as paredes laterais foi integrado na decoração barroca.
O tecto, em caixotões de madeira, é composto por vinte sete cenas da vida de Nossa Senhora e São José: Nascimento de Nossa Senhora, Apresentação de Nossa Senhora, Anunciação, Esponsais, Sonho de São José, Adoração dos Pastores...; e, ao centro, Nossa Senhora a Conceição, Assunção da Virgem Maria, São José.
III . A PINTURA DO TECTO DA NAVE CENTRAL
O programa iconográfico da nave central tem um esquema tripartido, com o motivo principal enquadrado por figuras alegóricas, anjos e filacteras com citações bíblicas.
Do lado da capela-mor, as figuras alegóricas das virtudes teologais – FIDES, SPES, CHARITAS – e da virtude da piedade – DEVOCTIO [sic] – ladeiam a inscrição central: «NON EST HIC ALIUD NISI DOMUS DEI ET PORTA CA ELI GEN 28, 17» (aqui não é senão a casa de Deus e a porta do céu).
Ao centro da nave, o escudo real, provável alusão ao padroado régio deste templo, é encimado pela legenda: «Has quaternas triumphat imperium» (o poder triunfa por meio destas quatro [virtudes]), e está ladeado pelas figuras alegóricas da prudência, justiça, fortaleza e temperança. Filactérias sustentadas por anjos têm também inscrições, entre as quais «vinces, vinces, et non vinceris» (vencereis, vencereis e não sereis vencido), provável alusão ao mandato de Cristo a D. Afonso Henriques na visão de Ourique.
Junto ao coro-alto, a cartela central tem como inscrição: «UBI SUNT DUO, UEL TRES CONGREGATI IN NOMINE MEO, IBI SUM IN MEDIO EORUM ECCLL CAP. 25» [sic] (onde dois ou três estão reunidos em Meu nome, aí estou Eu no meio deles).
Tem ainda outras inscrições alusivas à reconstrução da igreja: «SENdo ABBADE FEZ ESTA IGREJA ANTONIO ESTEVES Pra» e «ESTA OBRA FOI FEITA NO ANNO DE 1767», além de figuras do Antigo Testamento – Jacob e Raquel, provavelmente relacionadas com a citação de Gn 28,17, que corresponde ao sonho de Jacob –, bem como a do abade que promoveu o restauro do templo e a de Santo Antão Abade, possível alusão ao seu onomástico.
IV . O POLÍPTICO QUINHENTISTA DA CAPELA-MOR
A igreja matriz de Vila Nova de Foz Côa possui um dos mais importantes conjuntos de pintura quinhentista do concelho, um políptico de nove pinturas sobre o tema da Paixão de Cristo, realizadas entre 1575 e 1580, atribuídas a António Leitão (c.1530-c.1595).
Constituíam o antigo retábulo, tendo sido bem integradas no conjunto da capela-mor, aquando da sua substituição pelo retábulo barroco no século XVIII.
O conjunto é formado por seis pinturas com predelas, em madeira de castanho, que representam, à esquerda do altar: A Última Ceia, A Oração de Jesus no Horto, Cristo com a Cruz às costas, A Crucifixão e A Descida da Cruz ou Lamentação; e, à direita, A Entrada em Jerusalém, A Flagelação e A Deposição no túmulo. A Ressurreição, também pertencente a este conjunto, encontra-se reservada na sacristia.
V . NOSSA SENHORA DO PRANTO: CULTO E ICONOGRAFIA
Nossa Senhora do Pranto é o orago da igreja matriz de Foz Côa desde a sua fundação manuelina.
A invocação é alusiva a uma das Sete Dores que, segundo a Tradição, Nossa Senhora sofreu. Esta invocação da Mãe de Deus é mais conhecida entre os estudiosos de arte sacra por Pietà (Nossa Senhora da Piedade).
A devoção a Nossa Senhora do Pranto está muito difundida por todo o país. Existem igrejas, capelas e ermidas com esta invocação, desde tempos imemoriais, nomeadamente no Centro e Norte de Portugal. Uma das mais antigas é a igreja de Nossa Senhora do Pranto em Dornes, fundada pela Rainha Santa Isabel em 1285, segundo consta. Também no Convento do Carmo em Lisboa, foi uma das capelas que o Santo Condestável deixou concluída.
A celebração litúrgica tem lugar no tempo da Quaresma, bem como a 15 de Setembro, festa de Nossa Senhora das Dores.
Referências
- REIS, Pe. Jacinto dos, Invocações de Nossa Senhora em Portugal de Aquém e Além-Mar e seu Padroado, Lisboa, 1967
- SOALHEIRO, João [coord. de], FOZ CÔA: Inventário e Memória, Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa, Porto, 2000.
- MOREIRA, Luciano Augusto dos Santos, A evolução da rede paroquial entre o Côa e o Távora do século XI ao século XVI, Universidade de Coimbra, 2017
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