Basílica Da Estrela, Lisboa
Nesta página:
I . História
II . A igreja do Santíssimo Coração de Jesus: descrição
III . O Sagrado Coração de Jesus: culto e iconografia
I . HISTÓRIA
A 24 de Outubro de 1760 D. Maria (1734-1816), princesa herdeira, fez voto ao Sagrado Coração de Jesus de fundação em honra Sua de igreja e convento de Religiosas reformadas da Regra de Santa Teresa, no caso de vir a ter filho varão que lhe sucedesse no trono.
Após o nascimento do príncipe D. José, em Agosto de 1761, D. Maria pretendeu dar cumprimento ao voto, que só em 1778 se efectivou, após a sua subida ao trono.
Na obra de edificação do conjunto monumental, intervieram de modo particular D. Pedro III (1717-1786), príncipe consorte, que cedeu os terrenos no Casal da Estrela, pertencente à Casa do Infantado; e Fr. Inácio de São Caetano (1719-1788), confessor da Rainha, religioso da Ordem dos Carmelitas Descalços, mais tarde arcebispo de Tessalónica.
O arquitecto Mateus Vicente de Oliveira (1706-1785) foi encarregado do projecto que incluía igreja, convento e palacete da Rainha. Em Fevereiro de 1778 foi lançada a primeira pedra do Mosteiro do Santíssimo Coração de Jesus e a 24 de Outubro de 1779, aniversário do voto da Rainha, realizou-se grandiosa cerimónia de bênção da primeira pedra da Basílica. Este arquitecto viria a ser substituído por Reinaldo Manuel dos Santos (1731-1791), que fez algumas alterações ao projecto inicial, nomeadamente na fachada principal e na grandiosa cúpula.
Em 1781, a zona conventual encontrava-se concluída e, no mesmo ano, ingressaram as primeiras religiosas, vindas do Carmelo de Carnide.
A edificação do Palacete, destinado a aposentos da Rainha, constituiu a última fase de construção do conjunto monumental.
Na Basílica intervieram artistas nacionais de renome, na pintura, escultura (como é o caso de Joaquim Machado de Castro), mestres entalhadores, pedreiros, fundidores e o célebre organeiro António Xavier Machado e Cerveira (1756-1828). As pinturas dos altares principais da igreja foram encomendadas a Pompeo Batoni (1708-1787), prestigiado mestre italiano.
A bênção dos sinos, a 17 de Agosto de 1788, teve lugar após a conclusão das torres e, no ano seguinte, a 15 de Novembro de 1789, realizou-se, com grande solenidade, a cerimónia da sagração da Basílica.
Em 1792, Manuel Caetano de Sousa (1738-1802) sucedeu a Reinaldo Manuel dos Santos, na orientação dos últimos trabalhos de edificação.
Em 1834, na sequência do decreto de extinção das ordens religiosas, o edifício conventual passou a propriedade do Estado. No antigo convento e terrenos da antiga Cerca instalaram-se várias repartições públicas e parte do Hospital Militar. No antigo Palacete foi instalada a Escola do Serviço de Saúde Militar (ESSM), bem como vários serviços clínicos. A Basílica passou a ser sede paroquial, transferida da Lapa em 1886.
Em 1910, a Basílica, incluindo os túmulos de D. Maria I e de Frei Inácio de São Caetano, foi classificada como Monumento Nacional.
II . A IGREJA DO SANTÍSSIMO CORAÇÃO DE JESUS: DESCRIÇÃO
A Basílica da Estrela tem sido considerada o mais importante monumento religioso de Lisboa construído após o terramoto de 1755
O grandioso conjunto monumental, situado na parte ocidental da cidade, integra a Basílica do Santíssimo Coração de Jesus, o antigo Convento das Carmelitas Descalças e o Palacete anexo.
Na igreja e no antigo convento são múltiplas e bem integradas no conjunto, as referências - na pintura, na escultura, na talha...- ao Santíssimo Coração de Jesus, bem como à Ordem das Carmelitas Descalças, com particular relevância neste caso para Santa Teresa de Ávila.
Na fachada da igreja destaca-se, sobre a porta principal, a Adoração do Santíssimo Coração de Jesus, baixo-relevo em mármore, de Joaquim Machado de Castro (1731-1822); e, sobre colunas, as figuras alegóricas da Fé, Devoção, Gratidão e Liberalidade, de Alexandre Gomes, João José Elveni, José Patrício e José Joaquim Leitão, colaboradores de Machado de Castro. O frontão de remate, também em baixo-relevo, tem o símbolo da Santíssima Trindade com monograma Alfa e Ómega.
Várias esculturas monumentais de santos da espiritualidade Carmelita ladeiam o corpo central: no registo superior Santo Elias e São João da Cruz e, na parte inferior, Santa Teresa de Ávila e Santa Maria Madalena de Pazzi, também dos colaboradores de Machado de Castro.
No lado direito da igreja, encontra-se o edifício do antigo convento de carmelitas descalças, com fachada voltada para a Avenida Infante Santo. Na fachada lateral esquerda, destaca-se o portal do antigo Palacete com acesso à Tribuna Real e aos antigos aposentos da Rainha.
As magníficas torres sineiras, com ornamentação barroca, integram onze sinos, fundidos entre 1786 e 1788, devidos ao mestre fundidor José Domingos da Costa.
O imponente zimbório, um dos mais belos miradouros de Lisboa, é constituído por cúpula e lanternim, com varanda circular e profusamente decorado.
Na ampla galilé que dá acesso à igreja, destacam-se as esculturas monumentais de Nossa Senhora e de São José – padroeiros da Ordem Carmelita -, de Joaquim Machado de Castro e seus colaboradores.
No Baptistério, destacam-se a pia baptismal, transferida para este local em 1947, decorada com acantos e concheados e tendo ao centro uma escultura de São João Baptista; e, na parede lateral, a pintura O Baptismo de Cristo de Luciano Santos (1911-2006).
O escudo da Ordem Carmelita encontra-se no fecho do arco de entrada da igreja. O notável guarda-vento, em pau-santo, encimado por um magnífico escudo real, é atribuído a José de Abreu do Ó (1740-1828).
O interior da Basílica é admirável pela amplidão e luminosidade que irradia da cúpula central e pela beleza e riqueza do revestimento em mármores de composição variada, em tons de rosa, amarelo, negro e azul-cinza.
Na nave destacam-se as seis capelas laterais com balaustradas semicirculares em mármore e lampadários de bronze dourado.
Os retábulos integram várias pinturas e esculturas, de Pompeo Batoni e Machado de Castro respectivamente, alusivas ao Sagrado Coração de Jesus e associadas à fundação do convento da Ordem Carmelita: do lado direito, Santo António e a Visão de São Francisco, O Sonho de São José e O triunfo do Coração de Maria, com os arcanjos Rafael, Miguel e Gabriel, esta pintura com a particularidade de ter sido pintada pelas irmãs da rainha – infanta D. Maria Ana e princesa Maria Francisca Benedita – e com imagem setecentista de Nossa Senhora da Lapa; do lado esquerdo, Visão de São João Evangelista, Dedicação da Basílica a Santa Teresa por D. Maria I e Incredulidade de São Tomé – com imagem de Nossa Senhora de Fátima e os Pastorinhos.
Sobre o cruzeiro ergue-se a magnífica e imponente cúpula, revestida de mármores polícromos, com galeria circular e lanternim.
Na Capela-mor, o grandioso retábulo é composto por colunas de mármore que enquadram a tela central representando O Sagrado Coração de Jesus apresentado à adoração de todo o Mundo, o Pontífice Romano e figuras alegóricas da Caridade e das Quatro partes do Mundo. Remata o conjunto o magnífico frontão com Cristo crucificado e dois Anjos em adoração.
Nas paredes laterais encontram-se pinturas dos Doutores da Igreja Latina, da autoria de Pedro Alexandrino de Carvalho: Santo Agostinho e São Gregório Magno, do lado esquerdo; Santo Ambrósio e São Jerónimo, do lado direito. A Tribuna do Coro e a Tribuna Real ladeiam a capela-mor.
Um grandioso lampadário suspenso, completa e dignifica o conjunto.
Na capela do Santíssimo, destaca-se o retábulo com a Última Ceia de Pompeo Batoni, integrada em moldura de cantaria e ladeada de monumentais colunas em mármore. No ático, presidem as esculturas alegóricas da Fé e da Esperança, da oficina de Machado de Castro. Nas paredes laterais, encontram-se duas telas com temas eucarísticos, a Ceia de Emaús, do lado esquerdo e São Paulo Eremita, do lado direito, atribuídas a Pedro Alexandrino (1729-1810). No registo inferior encontram-se as imagens de São Pedro e São Paulo.
Na sacristia, encontra-se o notável túmulo de Frei Inácio de São Caetano, confessor da Rainha, com desenho de Machado de Castro. Destacam-se também os ricos arcazes do entalhador José Abreu do Ó (c. 1783), o lavabo de Mateus Vicente de Oliveira e a pintura do tecto Adoração do Cordeiro místico, de Pedro Alexandrino.
No transepto do lado direito, as esculturas alegóricas da Caridade e da Fortaleza, também de Machado de Castro, em simetria com o ático da capela do Santíssimo. Destacam-se as pinturas de temática mariana: Virgem com o Menino, Santa Isabel e São João Baptista e Santa Ana ensinando a Virgem a ler, atribuídas a Pedro Alexandrino; e as imagens de vulto dos santos carmelitas São João da Cruz e Santa Teresa de Ávila.
O órgão, de António Xavier Machado e Cerveira, executado em 1791, é uma das peças de referência, destacando-se a inscrição Laudate eum in chordis et organo – (Louvai-O ao som da harpa e da flauta, Sl 150).
Também no transepto se encontra a escultura monumental do Sagrado Coração de Jesus, invocação da Basílica. Destacam-se ainda os confessionários duplos em pau-santo, atribuídos a António Ângelo (1791); o invulgar Candeeiro das trevas, também em pau-santo, de rica ornamentação, de José de Abreu do Ó; e a primeira pedra da igreja, em mármore, com inscrição em latim.
DONA MARIA I RAINHA DE PORTUGAL, FIDELÍSSIMA, PROMETEU, SE TIVESSE FILHOS, EDIFICAR ESTE TEMPLO EM HONRA DO SANTÍSSIMO CORAÇÃO DE JESUS E UM MOSTEIRO DE FREIRAS DA BEM-AVENTURADA MARIA DO MONTE CARMELO, TENDO O REI D. PEDRO III CEDIDO PARA OS EDIFICAR UM TERRENO DE SUA PROPRIEDADE. PARA SEMPRE SEJAM ACEITES OS BENEFÍCIOS DESTE TEMPLO DEDICADO EM HONRA DE DEUS E DO SANTÍSSIMO CORAÇÃO DE JESUS. ESTA PRIMEIRA PEDRA, PELO MESMO REI D. PEDRO OFERECIDA, BENZEU E COLOCOU O EMINENTÍSSIMO D. FERNANDO I DA SILVA PRESBÍTERO DA SANTA IGREJA ROMANA, CARDEAL PATRIARCA DE LISBOA, SENDO PONTÍFICE PIO VI, 24 DE OUTUBRO, DO ANO DE 1779. … TERRAMOTO…
Na zona do transepto que antecede a sala do presépio encontra-se o Túmulo de D. Maria I.
Na sala do presépio, antiga sacristia, a pintura do tecto representa a Entrega da Basílica do Santíssimo Coração de Jesus, atribuída a Cirilo Volkmar Machado (1748-1823). Um lavabo, de Mateus Vicente, semelhante ao da sacristia, completa o conjunto. Em 1951, foi exposto nesta sala o magnífico presépio de Machado de Castro.
No Coro-alto (sobre a porta de entrada na Basílica) encontra-se o Grande Órgão de António Xavier Machado e Cerveira, actualmente desactivado, com decoração em talha atribuída a António Ângelo.
Na antiga portaria do convento, revestida de silhares de azulejos policromos de composição ornamental e figurativa (1780-1790), subsiste ainda a roda conventual. O antigo locutório das religiosas – Sala de Santa Teresa –, tem uma notável série de painéis de azulejo dedicada à vida da fundadora da Ordem Carmelita.
No claustro, destaca-se a fonte central, profusamente decorada, do arquitecto Mateus Vicente de Oliveira.
A Capela do Senhor dos Passos – antigo coro-baixo –, contígua ao transepto da igreja, tem um programa decorativo muito rico no qual se destaca: o retábulo com Cristo Crucificado, ladeado por imagens com símbolos da Paixão – a Verónica e Anjo com instrumentos da Paixão; os silhares de azulejos polícromos, com temas eucarísticos: Adoração do Santíssimo Sacramento, Santo Elias; no tecto, o painel central com Pentecostes atribuído a Cirilo Wolkmar Machado; e, no arco de acesso à igreja, Nossa Senhora do Carmo envolvendo com o manto as religiosas carmelitas.
A Capela de Nossa Senhora do Carmo – antigo antecoro – tem igualmente um programa iconográfico sobre Santa Teresa de Jesus. O retábulo tem ao centro a imagem de Nossa Senhora do Carmo, e lateralmente São Paulo e São João da Cruz. Nas paredes laterais, várias telas com vários passos da vida de Santa Teresa. Na abóbada está representada a Transverberação de Santa Teresa, também atribuída a Cirilo Volkmar Machado.
III . O SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS: CULTO E ICONOGRAFIA
As primeiras referências à devoção ao Sagrado Coração de Jesus datam dos séculos XII e XIII. Posteriormente, a difusão universal desta devoção ficou a dever-se a Santa Margarida Maria Alacoque (1647-1690), religiosa da Ordem da Visitação, após revelações particulares. Em 25 de Janeiro de 1765, foi aprovada a Festa do Sagrado Coração de Jesus pelo Papa Clemente XIII (1693-1769), em 1794 Pio VI (1717-1799) legitima o culto com a Bula Auctorem fidei e, em 1856, Pio IX estendeu a Festa à Igreja Universal.
O Sagrado Coração de Jesus é o símbolo do amor de Deus pela humanidade. Na iconografia o coração é representado em chamas cercado por coroa de espinhos e encimado por cruz. A Festa do Sagrado Coração de Jesus é celebrada na Sexta-feira da oitava do Corpo de Deus.
D. Maria I foi a grande impulsionadora desta devoção em terras portuguesas. No ano de 1777, a seu pedido, foi aprovada para Portugal a Festa do Sagrado Coração de Jesus. Nesta mesma data iniciou-se a construção da Basílica da Estrela em Lisboa, primeira igreja em todo o mundo dedicada ao Santíssimo Coração de Jesus.
REFERÊNCIAS:
- PEREIRA, Esteves e RODRIGUES, Guilherme, Portugal – diccionario historico, chorographico, heraldico, biographico, bibliographico, numismatico e artistico, Lisboa, J. Romano Torres, 1904-15, vol. III, pp. 226-230.
- ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja em Portugal, Nova Edição preparada e dirigida por Damião Peres. Portucalense Editora. Livraria Civilização. Porto, Lisboa. [1967-1971].
- CARVALHO, Ayres de, A BASÍLICA DA ESTRELA no segundo centenário da sua fundação, Lisboa, Secretaria de Estado da Cultura – Direcção-Geral do Património Cultural, 1979.
- SALDANHA, Sandra Costa, A Basílica da Estrela: Real Fábrica do Santíssimo Coração de Jesus, Lisboa, Livros Horizonte, 2007.
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