Sé Nova De Coimbra
Nesta página:
I . História
II . Descrição
III . A Companhia de Jesus
IV . O Colégio de Jesus
I . HISTÓRIA
Em 1542, chegavam a Coimbra os primeiros jesuítas, com a finalidade de estabelecer um centro universitário destinado à formação dos missionários para a evangelização nas terras de além-mar, particularmente no oriente.
A 14 de Abril de 1547, deu-se início à edificação do Colégio de Jesus, na Alta da cidade, em terrenos doados por D. João III. A planta inicial, foi elaborada pelo arquitecto régio Diogo de Castilho (c.1490-1574), iniciando-se em 1548, a construção da primitiva igreja dedicada ao Santíssimo Nome de Jesus. Em 1555, o Real Colégio das Artes, foi entregue à Companhia de Jesus.
Em 1560, foi modificada a planta original, com desenho de Bartolomé Bustamonte (1501-1570), estando prevista a construção de uma nova igreja em substituição da primitiva, para além das edificações do colégio, de modo a adaptar-se ao elevado número de religiosos que iriam habitar no complexo.
A 7 de Agosto de 1598, foi lançada a primeira pedra da nova igreja do Santíssimo Nome de Jesus, integrada num amplo programa de construção incluindo as edificações do Colégio de Jesus, segundo um distinto projecto atribuído a Baltasar Álvares (1560-1630). A 1 de Janeiro de 1640, festa do Santíssimo Nome de Jesus, deu-se início ao culto, mas só em 1698 estavam concluídas as obras da capela-mor, inaugurada no mesmo ano.
Na sequência da expulsão dos Jesuítas em 1759, grande parte do Colégio foi entregue à Universidade de Coimbra, e a igreja, sacristia e alguns anexos cedidos à Diocese de Coimbra, conforme indicação de Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal.
Em 1772, o templo foi elevado a Catedral, por solicitação de D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho (1735-1822), vigário capitular do Bispado de Coimbra e Governador da Diocese.
Na transferência da antiga – Sé Velha - para a nova Sé, foram trasladados o cadeiral do coro-baixo e a pia baptismal, além de um grande número de esculturas, telas e diversas alfaias litúrgicas. A capela-mor foi especialmente ampliada pela necessidade de adaptação a catedral.
II . DESCRIÇÃO
Localizada na Alta de Coimbra, a Sé Nova destaca-se pela grandiosidade da sua implantação, inserida no conjunto arquitectónico do antigo Colégio de Jesus.
A fachada principal virada a Sul, com uma ampla escadaria, possui dois corpos sobrepostos. No inferior, destacam-se as estátuas dos grandes santos jesuítas: Santo Inácio de Loyola e São Francisco Xavier; São Francisco de Borja e São Luís Gonzaga. O corpo superior, concluído no século XVIII, tem ao centro as armas do reino, e nos extremos, estátuas de São Pedro e São Paulo. As torres sineiras, edificadas no final do século XVII, encontram-se um pouco recuadas relativamente à frontaria da igreja.
O interior da igreja é amplo, em cruz latina de uma só nave. À entrada destaca-se o guarda-vento do século XVIII, coroado com o monograma da Companhia de Jesus, estando as paredes laterais do subcoro revestidas de azulejos do século XVII.
A grande nave, tem oito capelas laterais intercomunicantes, do século XVII e princípios do século XVIII, com retábulos de talha dourada, na sua maior parte atribuídos aos entalhadores Manuel da Rocha e João Soares (c. 1650).
À esquerda, junto ao transepto, encontra-se a capela do Santíssimo Sacramento, inicialmente dedicada a Nossa Senhora da Conceição. Tem, ao centro do retábulo, duas telas representando a Imaculada Conceição e a Santíssima Trindade da autoria de Baltazar Gomes Figueira (1604-1674); e, na predela, baixos-relevos com motivos marianos (Sol, Lua). Lateralmente, destacam-se o brasão e a inscrição alusiva à fundação da capela pelo Doutor Luís Ribeiro de Leyva.
Segue-se a capela de São Tomás de Vilanova, inicialmente dedicada a São Francisco Xavier, totalmente revestida a talha, obra do mestre Matias Rodrigues de Carvalho (1682). O retábulo apresenta diversos motivos decorativos alusivos à invocação primitiva: monograma IHS na cartela superior; na predela, em baixo-relevo, uma cena da vida do santo jesuíta. Lateralmente encontram-se imagens de São Luís Gonzaga e Santo Estanislau Kotska. Ocupa o nicho central São Tomás de Vilanova, escultura setecentista proveniente da Sé Velha. Na parede lateral, encontra-se a lápide referente à instituição da capela e o brasão heráldico dos fundadores – Doutor Francisco da Fonseca e sua mulher D. Luísa de Vasconcelos.
Na capela da Vida da Virgem, o retábulo integra um conjunto escultórico representando a Coroação pela Santíssima Trindade, enquadrado por cenas da vida de Nossa Senhora: nos nichos laterais, a Anunciação e a Visitação do lado direito e, do lado oposto, a Sagrada Família e a Assunção; e na predela, o Nascimento, a Apresentação e os Esponsais. No corpo superior, está a imagem da Imaculada Conceição, com pintura subjacente representando símbolos da litania.
Encontra-se neste espaço o Bergantim de Nossa Senhora da Boa-morte, ainda hoje utilizado em procissões.
A capela de Nossa Senhora das Neves, com retábulo do século XVIII, apresenta a imagem com o Menino ladeada por anjos. Nos nichos, encontram-se as esculturas de Santa Ana e Nossa Senhora e São Miguel; e no fecho, a Gloria celeste. Numa das paredes laterais, uma lápide refere a instituição da capela pela Irmandade desta invocação.
À direita da nave, na capela de Santo Inácio, preside a imagem do santo fundador, rodeada pelas imagens de santos jesuítas: São Francisco de Borja e São Francisco Xavier, Santo Estanislau Kostka e São Luís Gonzaga. No corpo superior, encontra-se a imagem de Nossa Senhora da Conceição, ladeada pelas imagens de São Jorge e São Francisco de Assis, São João Baptista e São Cristóvão. De destacar na predela, os painéis relevados com cenas da vida de Santo Inácio: Visão em La Storta, Aparição da Virgem, Visão em Manresa, Santo Inácio mergulhando nas águas geladas.
Na capela da Ressurreição, o retábulo está constituído por dois painéis sobrepostos representando a Ressurreição de Cristo e o Aparecimento de Cristo ressuscitado a Maria, ambos atribuídos a José Pereira da Costa (c.1660). Sobre o altar está uma peculiar escultura de Santa Liberata.
A capela de Santo António tem, no centro do retábulo, a escultura do Santo português, tendo subjacente a Virgem de São Lucas, possivelmente de Andrea Francia (1642). Todo o conjunto está enquadrado por colunas decoradas com motivos antoninos. Na parte superior destaca-se o conjunto escultórico da Coroação da Virgem, e lateralmente as imagens de São João Evangelista e São João Baptista; no frontão, as insígnias da Companhia numa cartela sustentada por Anjos.
A capela da Crucificação do Senhor possui uma imagem de Cristo Crucificado com particular esplendor. À direita, a imagem de Santa Maria Madalena e, no ático, um baixo-relevo com a representação de Deus Pai.
Nesta capela encontra-se a Pia baptismal, manuelina, obra de Pero e Filipe Henriques (século XVI), proveniente da Sé Velha, com as armas e a divisa – NE QUID NIMIS - de D. Jorge de Almeida (1483-1543), Bispo de Coimbra.
No cruzeiro, destaca-se a cúpula iluminada por lanternim e decorada com o emblema da Companhia de Jesus.
Dois notáveis retábulos-relicários em talha dourada e policromada, dispostos simetricamente e complementando-se na iconografia, preenchem completamente os topos do transepto.
O retábulo da direita tem ao centro um conjunto escultórico da Sagrada Família, nos cantos superiores, as imagens dos evangelistas São João e São Lucas, e, na cartela de fecho, o monograma M com coroa. Na base do retábulo está uma escultura jacente do Senhor Morto.
O retábulo da esquerda apresenta a Coroação da Virgem pela Santíssima Trindade, conjunto enquadrado por anjos com símbolos da litania mariana e com as imagens dos evangelistas São Marcos e São Mateus na parte superior; no fecho, o emblema da Companhia de Jesus. Na base, encontra-se um jacente com a imagem de Nossa Senhora da Boa Morte, esculpida por Guilherme Thedim (1900-1985).
Ladeando o nicho central de cada retábulo, encontram-se dois grandes e admiráveis painéis de relicários, actualmente vazios.
Anjos tocheiros e querubins profusamente decorados completam este conjunto.
Os altares colaterais são ambos de finais do século XVII e início do século XVIII, dedicados a Nossa Senhora da Conceição e a Nossa Senhora de Fátima, este com imagem também de Guilherme Thedim.
Pinturas seiscentistas representando a Adoração dos Pastores e a Adoração dos Reis Magos integram igualmente este espaço.
Na capela-mor, um monumental retábulo, concluído em 1698, em talha dourada e profusamente decorado, enquadra as imagens dos santos jesuítas: Santo Inácio de Loyola e São Francisco Xavier, ladeando a tela central que representa o Nascimento de Jesus; São Francisco de Borja e Santo Estanislau Kostka, junto ao trono eucarístico.
O admirável conjunto da banqueta do altar é proveniente da Sé Velha. Integra o crucifixo, castiçais e quatro bustos de santos – São Pedro, São Paulo, São Francisco e Santa Luzia -, de João Frederico Ludovice (1673-1752), com prata lavrada por António Neves Nunes (1725), no início do século XVIII.
O magnífico cadeiral seiscentista, também proveniente da Sé Velha e mandado construir pelo bispo D. João de Melo (1684-1704) apresenta no espaldar um conjunto de telas com cenas da vida de Nossa Senhora; do lado direito: Nascimento, Apresentação, Esponsais, Anunciação, Visitação, Natividade, Adoração dos Magos; e do lado oposto: Apresentação de Jesus no templo, Sagrada Família, Jesus entre os Doutores, Bodas de Caná, Morte da Virgem, Assunção e Coroação da Virgem. Nos extremos, encontram-se duas telas do século XVIII representando os evangelistas São Mateus e São Lucas, de Manuel da Silva.
Em tribunas laterais encontram-se dois órgãos, sendo de destacar particularmente o Grande Órgão de finais do século XVIII.
A sacristia integra um conjunto de telas de temática jesuíta.
A série superior é composta por um ciclo da vida de Santo Inácio de Loyola da autoria de Domingos da Cunha (1598-1644): Aparição de São Pedro, Santo Inácio entrega as roupas a um pobre, Rapto de Santo Inácio em Manresa, Visão em Manresa, O senador Trevisano descobre Santo Inácio adormecido, Viagem para Jerusalém, Santo Inácio no Monte Olivete, Santo Inácio tomado por espião e humilhado, Santo Inácio mergulhando nas águas geladas, Diogo de Gouveia apresenta desculpas a Santo Inácio, Visão de La Storta, Despedida de Santo Inácio e São Francisco Xavier, Aprovação da Companhia pelo Papa Paulo III, Trânsito de Santo Inácio, Exéquias de Santo Inácio.
A série inferior inclui cenas da vida de São Francisco Xavier atribuídas a Manuel Henriques (1593-1653): Visão mariana, São Francisco Xavier aplacando a sede dos companheiros de viagem, Baptismo de um chefe de casta, Imprecando as invasões badegãs em Camorim, Na corte japonesa do príncipe de Yamaguchi, além de dois célebres retratos de São Francisco Xavier e de Santo Inácio de Loyola.
Outras telas completam o conjunto, nomeadamente: A circuncisão do Menino Jesus, possivelmente de Giuseppe Castiglione (1688-1766), São Tomás de Vilanova repartindo esmolas de Gaspar de la Huerta (1645-1714), a Adoração dos Pastores, A Fundação Mística da Companhia de Jesus e representações dos evangelistas São Marcos e São João de Manuel da Silva, provavelmente do mesmo conjunto das telas do cadeiral na capela-mor.
De destacar, também na sacristia, o arcaz em pau santo.
Na sala imediata, encontra-se o Lavabo, estrutura de cantaria com cinco bicas.
A Sé Nova possui uma grande colecção de preciosos relicários, provenientes na sua maioria dos armários-relicários no transepto. O Tesouro da Sé integra também numerosas e admiráveis peças, provenientes da Sé Velha ou do contexto jesuíta inicial, de grande valor histórico e artístico.
III . A COMPANHIA DE JESUS
A Companhia de Jesus é uma Ordem Religiosa fundada por Santo Inácio de Loyola (1491-1556) e aprovada em 1540 pelo Papa Paulo III. Tendo como finalidade a defesa e a propagação da fé e o aperfeiçoamento das almas na vida e na doutrina cristãs, particularizou-se na missionação, na educação e na promoção do estudo universitário, com papel importante na defesa da Fé no chamado movimento contra-reforma.
Grandes viajantes, o sentido da missionação levou os jesuítas a todas as partes do mundo conhecido. Para este feito, integraram-se de modo particular na expansão lusitana pelos vários continentes, aproveitando as vias de navegação e o suporte da administração portuguesa.
Em 1773, na sequência das campanhas anti-jesuitas, nomeadamente em Portugal e na França, a Companhia de Jesus foi extinta pelo Papa Clemente XIV (1705-1774). Foi reestabelecida pelo Papa Pio VII (1742-1823) em 1814 através do breve Sollicitudo omnium.
Em Portugal, a vinda de Jesuítas deve-se à iniciativa de D. João III no sentido de promover a evangelização nas regiões de além-mar. Em 1540, chegavam a Portugal os primeiros padres jesuítas, entre eles Simão Rodrigues (1510-1579) e Francisco Xavier (1506-1552), que teriam um papel importante na difusão da Companhia, em Portugal e nas outras partes do mundo.
O crescimento da Companhia de Jesus em Portugal foi muito rápido, estendendo-se a actividade pedagógica às principais cidades do país: Coimbra, Évora, Lisboa, Braga, Bragança. No oriente em particular, inseridos no Padroado português, foram frequentemente os primeiros a levar a cristianização a terras longínquas, assumindo um papel relevante no influxo científico e cultural dessas regiões. De igual modo, a dinâmica construtiva dos jesuítas em Portugal e nos territórios de além-mar envolveu e promoveu arquitectos, engenheiros e artistas vários de grande relevo.
Em 1759, na sequência das perseguições e intrigas movidas pelo poderoso Ministro de D. José, futuro Marquês de Pombal, foram extintas as classes e colégios jesuítas, em Portugal e em todas as terras de além-mar, deixando um enorme vazio não só no ensino superior, mas também no ensino secundário, que demoraria décadas a colmatar.
Com o restabelecimento da Ordem em 1814, regressaram a Portugal em 1829, sob o governo de D. Miguel (1828-1834), retomando as actividades escolares.
Em 1834, sob o regime liberal, e na sequência do decreto de extinção das Ordens Religiosas, foram novamente expulsos. Voltaram a Portugal em 1863, sendo erigida canonicamente a Província Portuguesa da Companhia de Jesus em 1880.
Com a instauração da República em Portugal em 1910, na sequência da perseguição religiosa que se instaurou, foram, pela terceira vez, expulsos do país. Regressaram em 1923, reabrindo ou iniciando centros em várias cidades.
Os jesuítas tiveram um importante papel na educação e no desenvolvimento das ciências, aliado a um notável impulso missionário. Promoveram, além das devoções marianas, a devoção à Santíssima Trindade e à Eucaristia, praticando e inculcando o culto dos santos e dos mártires. Santo Inácio, São Francisco Xavier e Santo Estanislau Kostka são, conjuntamente com São Francisco de Borja e São Luís Gonzaga, as figuras mais representadas na iconografia da Companhia.
Ad maiorem Dei Gloriam – à maior Glória de Deus -, é o lema da Companhia de Jesus. O emblema integra o monograma IHS (Iesus Hominum Salvator – Jesus Salvador dos Homens) e a Cruz acompanhada de três cravos sobre um sol radiante - alusão à Paixão e Ressurreição de Jesus Cristo -, frequentemente impressos em alfaias litúrgicas.
IV. O COLÉGIO DE JESUS
O Colégio de Jesus em Coimbra foi o primeiro da Companhia em Portugal, contribuindo para a formação de grande número dos missionários que partiam para África, Brasil, Índia, China e Japão, acompanhando a expansão marítima portuguesa e a descoberta das novas terras e novas gentes.
Edificado durante a reforma do ensino universitário, promovida por D. João III e orientada por Frei Brás de Braga, o Colégio de Jesus foi fundado em 1542, constituindo um amplo complexo, que integrava o Colégio das Artes, entretanto doado à Companhia por D. João III.
O Colégio de Jesus foi local de formação de jesuítas e também dos numerosos jovens que pretendiam ingressar na Universidade e ali faziam os estudos preparatórios. Prestigiou-se no ensino dos estudos das várias ciências, algumas emergentes – caso das ciências astronómicas -, e renovação de outras – Filosofia.
A circulação dos professores nos colégios jesuítas permitiu e facilitou a troca de saberes bem como a investigação. Em Coimbra, formaram-se figuras prestigiadas no domínio das Ciências e das Humanidades, muitas delas com trabalho e obras de relevo nas regiões onde missionaram, na China, no (actual) Vietname, na Índia, no Japão, em África, no Brasil.
Na sequência da expulsão dos jesuítas, em 1759, o Colégio de Jesus ficou abandonado durante anos. Em 1772, O Marquês de Pombal deslocou-se a Coimbra com plenos poderes de visitador e reformador. Foi entregue a D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, a execução da Reforma da Universidade de Coimbra, tendo como base o património deixado pelos jesuítas. Sob a direcção de Guilherme Elsden (1773-1777), o complexo jesuíta foi transformado, adquirindo uma nova face para acolher os diversos saberes.
REFERÊNCIAS
- AZEVEDO, Carlos, (dir.) Dicionário da História Religiosa de Portugal, Lisboa, Ed. Círculo de Leitores, 2000.
- CRAVEIRO, Maria de Lurdes e TRIGUEIROS, António Júlio (SJ): A Sé Nova de Coimbra. Coimbra: Direcção Regional de Cultura do Centro, 2011
- FIOLHAIS, Carlos, FRANCO, José Eduardo, Os Jesuítas em Portugal e a ciência: Continuidades e ruturas (Séculos XVI-XVIII), Brotéria, 183, 2016
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